Por Camila Barreto

É fato que vivemos a tão aclamada Era Digital, e que inevitavelmente precisamos nos adaptar às novas demandas que surgem com ela. Os avanços são, em sua maioria, extremamente positivos e facilitam muito a nossa vida. Hoje em dia, a Inteligência Artificial consegue fazer quase qualquer coisa por nós em poucos cliques ou até mesmo por comando de voz, mas será que essas funções conseguem substituir o humano na sociedade?

É preciso compreender, especialmente nesse cenário de diversas mudanças que este momento de desenvolvimento tecnológico propicia, como essas transformações afetam a nossa vida enquanto seres sociais: a nossa linguagem, a nossa relação com o tempo e com o trabalho, entre muitos outros. Além disso, a era tecnológica não pode ser concebida alheia ao humano, e, portanto, sempre será necessário medir os impactos das novas tecnologias antes que sejam implementadas.

Uma coisa deve ficar clara desde já: não existe desenvolvimento tecnológico sem as ciências humanas, embora as humanidades sejam frequentemente subestimadas e sucateadas em nível educacional por, a princípio, não parecerem mercadologicamente tão rentáveis. A área das humanas desempenha um papel de extrema importância para a pesquisa no país, além de contribuir para a educação básica. Ou seja, as medidas de precarização fragilizam não somente as pesquisas que analisam a sociedade e suas manifestações políticas, culturais, econômicas e sociais, como também a formação de docentes, e acabam por enfraquecer a reflexão e a discussão ao longo das gerações de estudantes em formação, além de afetar negativamente o mercado de trabalho dos graduandos dessas áreas.

Não por acaso, as graduações em ciências humanas acabam sendo as mais afetadas com cortes e precarizações até nas melhores universidades do país, como é o caso do curso de Letras da Universidade de São Paulo, que enfrenta uma crise provocada pela falta de professores e com o risco de fechamento de algumas habilitações.

Outro exemplo de tentativa de sucateamento aconteceu em 2020, por meio da medida do governo federal que excluía os cursos de humanas do edital de bolsas de Iniciação Científica do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O intuito dessa medida era priorizar um conhecimento mais técnico-instrumental, que acaba sendo mais lucrativo, uma vez que visa as demandas mais imediatas do mercado de trabalho. Não se trata, entretanto, de qual área do conhecimento é mais importante que a outra, mas sim de qual é o interesse por trás dessas medidas.

Afinal, a quem interessa o desmonte das ciências humanas?

Quando abdicamos dos conhecimentos que investigam a sociedade, que refletem sobre o funcionamento político e as políticas públicas de desenvolvimento social, por exemplo, acabamos por outorgar a terceiros (muitas vezes extremamente despreparados) decisões e posicionamentos importantíssimos que cabem a nós enquanto cidadãos. Como podemos discutir políticas públicas de melhoria social se não analisamos o que acontece na sociedade e por que isso acontece? Simples: não podemos. Consequentemente, somos levados a aceitar as medidas que são tomadas por nós.

No caso do nosso país, mais especificamente, há muito que se discutir acerca da nossa história, das culturas que aqui coabitam e se misturam, das linguagens, dos espaços etc., e não somente para que possamos entender o desenrolar da história até nos tornarmos a sociedade que somos hoje, tendo em vista que toda sociedade é fruto de processos históricos que precisam ser estudados e discutidos. Como afirma a professora Marta Amoroso, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em um país de tamanha diversidade como o Brasil, as ciências humanas são de extrema importância, já que oferecem as ferramentas teóricas e práticas de estudo e de abordagem de tal diversidade.

As humanas cumprem, sim, um papel muito importante para o desenvolvimento científico e tecnológico. A onda de discursos obscurantistas regidos por teorias da conspiração e regados de muito anticientificismo tenta, a todo custo, invalidar esta ciência utilizando o avanço tecnológico como pretexto. Quem está por trás desse obscurantismo, aliás, é aquele que mais goza com a desinformação: quem se beneficiará de uma sociedade que não foi ensinada a refletir sobre as coisas e que, portanto, está mais apta a acreditar e reproduzir fake news, por exemplo, que nada mais são do que um dos efeitos colaterais do avanço da internet?

A evolução e o desenvolvimento tecnológico dependem — e muito — das ciências humanas, e é só por meio delas que conseguiremos avançar de modo consciente e elaborado. Enquanto o ser humano existir em contato com o mundo, as humanidades serão instrumentos fundamentais para a sociedade.


Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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