Patrícia Teixeira

Resumo: O presente artigo busca discutir a confiança no desenvolvimento psíquico da criança a partir de uma perspectiva junguiana, que é baseada na relação materna e  que esta configurará toda relação futura com os outros.

Palavras-chave: Confiança. Desenvolvimento Infantil. Inconsciente. Relação. Psicologia Junguiana.

 

Carl Gustav Jung (1875-1961), fundador da Psicologia Analítica, em sua incessante busca pelo entendimento da subjetividade, pontuou que o ego nasce do inconsciente — sede importante de todas as nossas potencialidades. É na relação materna que irá se configurar a relação posterior que a criança irá criar com o mundo. Jung buscou uma linguagem mais simbólica que alcance o inconsciente.

Conforme Jung (2002), nos primeiros contatos do bebê com a mãe, a relação acontece de forma simbiótica, indiferenciada, o que Jung nomeou de “participação mística”. A forma como o vínculo se estabelece justifica o desejo de voltar para a caverna materna e a dificuldade de romper com o mundo da grande mãe. É a partir dos olhos da mãe que a criança percebe o mundo. Seu inconsciente está conectado com o inconsciente da mãe e a partir desta a criança busca no alimento o amor, a proteção e principalmente a confiança. Confiar em alguém que pode cuidar dela.

Jung não escreveu sobre a psiquê na infância, tendo seus estudos focados na fase adulta. Michael Fordham e Erich Neumann foram os autores que, após Jung, escreveram sobre a infância de uma perspectiva teórica.

Ao nascer, a criança encontra-se ainda em um estado psíquico no qual o ego se      acha contido no inconsciente, e a personalidade e o Self existem antes do ego tomar forma e desenvolver-se como centro da consciência. Conforme os estágios  evolutivos, o ego não apenas toma consciência da sua própria posição e a defende com heroísmo, mas também se torna capaz de ampliar e relativizar as suas experiências mediante modificações efetuadas pela sua própria atividade              (NEUMANN, 1995, p. 25).

Segundo Neumann (1995), o ser humano é o único que necessita passar pela fase dentro e fora do útero materno, onde se encontra psíquica e fisicamente integrado ao corpo da mãe, conseguindo atingir um grau de maturidade após 22 meses do seu nascimento. A primeira fase é chamada de pré-egoica, e é representada simbolicamente pelo uroboros — a serpente que morde a própria cauda, simbolizando a integração dos opostos dentro da realidade psíquica, a própria totalidade, sabendo-se que a criança está imersa no Self da mãe, onde não existem perigos reais.

A libido, conceito instaurado por Freud (1856-1939), é uma palavra feminina que etimologicamente significa prazer. Para Jung (2002), a libido seria a energia psíquica total e, no decorrer do processo de desenvolvimento da criança, ocorre uma transformação dessa libido por meio da diferenciação entre as partes e o todo (objeto e sujeito), auxiliando na percepção da criança em relação a mãe e ao mundo. A criança se percebe como um ego.

A transformação da libido da criança, ou melhor, do prazer pode oscilar entre a mãe que proporciona o que ela deseja em contraponto ao desconforto e desprazer nessa relação com a mãe. A criança carregará essa sensação para o resto de sua vida em todas as suas relações.

A relação de confiança é fundamental para a criança suportar as tensões e demandas sociais.

 

O Self é representado pela relação com a mãe que aos poucos vai ser deslocado para o interior da criança, fortalecendo seu ego, atingindo uma totalidade.

A criança vai construindo o sentimento de segurança nessa primeira fase; no entanto, é na segunda fase que transforma esse sentimento de segurança em confiança em relação ao “outro”, uma vez que a figura materna representa este “outro” em um primeiro momento, que será deslocado para os tantos outros e a sociedade na qual ela estiver inserida.

A relação de confiança é fundamental para a criança suportar as tensões e demandas sociais. Só assim ela desenvolve um ego capaz de tolerar, assimilar e integrar as qualidades tanto negativas quanto positivas dos mundos interno e externo. Segundo Neumann (1995), “essa confiança é indispensável para a estabilidade do eixo ego-Self, que é a coluna dorsal do automorfismo individual e, posteriormente, de uma consciência e de um ego estáveis”.

A partir, porém, da pós-puberdade, tal deslocamento torna-se cada vez mais lento, e desde então é sempre mais raro que novas partes da esfera inconsciente venham juntar-se à consciência (JUNG, 1988, p. 56).

O processo de desenvolvimento não acaba, pelo contrário, ele percorre toda a vida do indivíduo com oscilações de intensidade. A este processo chamamos de individuação, em que os símbolos da totalidade se estabelecem. A consciência, então, passa a perceber eternidade do Self e a se aproximar dele.

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl Gustav. A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1988.

_____, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002. NEUMANN, Erich. A criança: estrutura e dinâmica da personalidade em desenvolvimento desde o início de sua formação. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

______. História da origem da consciência. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

 

Patrícia Teixeira: Psicóloga junguiana, professora e diretora de teatro com especialização no método Stanislavski de Teatro pelo GITS em Moscou. Especialização em abordagem junguiana, mestre em Psicologia Clínica na área junguiana pela PUC-SP e Fundadora da Casa das Artes Coexistir.

Share: