Mulher Eleitora
Mietta Santiago
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba.
(Carlos Drummond de Andrade)
Por Camila Barreto
O ano é 1932. Após muitos esforços dos brasileiros, o Brasil ganha o seu primeiro Código Eleitoral, e com a promulgação do decreto nº 21.760, de Getúlio Vargas, as mulheres solteiras e maiores de 21 anos conquistaram o direito de votar e se candidatar a cargos políticos. Algum tempo depois, em 1934, uma mulher ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados pela primeira vez: Carlota Pereira de Queiróz, primeira deputada federal do Brasil, eleita pelo voto popular.
De lá para cá, a restrição conjugal foi derrubada pela demanda feminista e o voto passou a ser obrigatório para todas as mulheres, aumentando a participação indireta. É difícil dizer, no entanto, que a presença feminina foi de fato consolidada nos espaços políticos no que tange à ocupação de cargos públicos.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, as mulheres representam quase 53% do eleitorado brasileiro, mas essa superioridade não se reflete em ocupação de cargos políticos, já que, segundo dados da pesquisa realizada pela ONG Elas no Poder, as mulheres representam apenas 16% dos políticos que foram eleitos em 2018. Essa falta de representatividade é fomentada pela falta de incentivo à participação política e pelas poucas — e tardias — iniciativas para a inclusão das mulheres na política.
E por falar em incentivos à presença de mulheres no cenário político, a PEC 18/2021, que funciona como uma cota mínima de gênero, reservando 30% das candidaturas dos partidos políticos às mulheres, ainda se mostra muito frágil e alvo de violações e crimes por parte dos partidos. Além disso, o artigo 6-B da PEC tem sido alvo de críticas por anistiar partidos “que não preencheram a cota mínima de gênero e/ou raça, ou que não destinaram os valores mínimos correspondentes a estas finalidades, em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional”.
Essa sub-representação das mulheres na política inibe a pluralidade nos debates parlamentares, e se traduz em atraso nas pautas femininas que tramitam nesses espaços. Isso faz com que o Brasil seja um dos países mais atrasados no quesito representatividade política. Segundo a pesquisa realizada pela União Interparlamentar sobre a participação de mulheres na política, o país ocupa a posição de número 142 entre 192 nações, ocupando a segunda posição mais inferior entre os países da América Latina — à frente apenas do Haiti —, muito atrás da nossa vizinha, a Argentina, que ocupa a 20ª posição no ranking.
Além do problema da falta de inclusão, a violência política contra a mulher ainda é uma triste realidade no Brasil. Os casos vão desde episódios de machismo e assédio sexual — como o constrangimento sofrido pela deputada Isa Penna na principal casa legislativa do país, a Alesp — até aqueles extremamente brutais, como o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018. Episódios de violência somados à impunidade contribuem para que muitas mulheres se sintam desencorajadas a ocupar tais espaços.
Em ano eleitoral e de comemoração dos 90 anos da conquista do voto feminino no Brasil, é importante ressaltar a urgência da efetiva participação feminina no processo eleitoral brasileiro, para que mais mulheres ocupem o espaço que lhes pertence. O direito de votar e ser votada, e de ter o seu espaço consolidado na política de forma autônoma e segura, é essencial em um Estado democrático de direito, uma vez que o sufrágio universal é um dos pilares mais importantes para a integralidade de uma democracia representativa. Noventa anos depois, a luta continua para garantir que a participação das mulheres na política não seja apenas uma exceção.
Camila Barreto foi vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.