Natasha Lima Reis Silva*
Resumo: Esquecer que gentileza gera gentileza é esquecer de nós mesmos. Esse ato, muitas vezes esquecido ou deixado de lado, é o que verdadeiramente conta quem somos.
Palavras- Chave: Gentileza. Compaixão. Relacionamento.
Já diria Marisa Monte: “Nós que passamos apressados pelas ruas da cidade, merecemos ler as letras e as palavras de gentileza”. Parece quase um diagnóstico da população da cidade de São Paulo.
Partindo do princípio de que vivemos na era do compartilhamento de dados e informações, e que os estímulos, já inerentes ao funcionamento da mente humana, são duplicados, são inúmeros os compromissos, arquivos, imagens, sons e diversas outras interações que o nosso corpo tenta acompanhar. E estaria tudo bem, se o nosso dia durasse 35 horas.
O aumento nos casos de distúrbios de ansiedade, depressão e tantos outros desníveis emocionais e psicológicos decorrentes da correria e da cobrança por sucesso mostra o quão deficientes estamos do que há de mais importante nas relações: a gentileza.
O termo é comumente usado para se referir ao ato de ser nobre, amável, educado. Também nos remete a expressões já conhecidas, como “obrigado(a)”, “por favor”, “com licença”. Não me entenda mal. A essência da gentileza, de fato, está presente nessas ações, mas aqui trataremos de ser gentil como uma extensão de quem somos e do que queremos passar ao outro. Daí a sua importância nas relações. E por relações eu me refiro a qualquer tipo de relação que tenhamos, das que duram anos e que nos fazem exercitar a gentileza diariamente às que duram minutos e são quase um teste de empatia — às vezes para cardíaco, eu diria.
Quantas oportunidades temos diariamente de exercitar a empatia e não o fazemos?
Em uma rotina atribulada, atingir um bom nível de troca num relacionamento, de fato, não é tarefa fácil e não tem manual de instruções, mas está diretamente ligado a se conectar com o outro da melhor maneira possível. Parece complicado fazer isso com tanto por fazer e tão pouco tempo, mas é extremamente necessário.
Se pararmos para analisar os maiores problemas dos relacionamentos de hoje em dia, a maioria está ligada à falta de diálogo. Seja por não dizermos o que sentimos com receio de julgamento, seja por não estarmos atentos à dor do outro, ou, ainda pior — e muito recorrente, diga-se de passagem —, por não nos importarmos com quem o outro é ou o que sente. Quantas oportunidades temos diariamente de exercitar a empatia e não o fazemos?
Propondo um exercício rápido de memória (e gentileza), todos já fomos, somos ou seremos clientes de algum produto ou serviço durante a vida, certo? Telefonia, seguro de automóvel, loja de roupas, barraca de cachorro-quente da esquina. Como reagimos quando temos um problema e precisamos que este seja resolvido? Identificamos o possível responsável, contatamos o canal correto para a solicitação e explicamos de maneira clara o problema, de modo que o funcionário possa nos auxiliar corretamente? Ou usamos a frase “o cliente tem sempre razão” como justificativa e tentamos a qualquer custo, mesmo que alto e ofensivo para quem está do outo lado e não é responsável pelo ocorrido, conseguir uma solução?
Quando estamos num relacionamento em que notamos que, ao contrário de nós, cuja vida está caminhando muito melhor que o esperado, o outro está passando por um momento de dificuldade e precisa que cedamos colo e ouvidos, como reagimos? Damos a mão e tentamos mostrar que ele é amado e não está sozinho ou seguimos evitando os diálogos que, convenhamos, podem ser exaustivos, não é mesmo?
Diferente do que se possa pensar, este não é um texto de autoajuda, mas sim de autoanálise. “Auto” porque, se gentileza gera gentileza, ela precisa partir de algum lugar. Se treinarmos o ouvido, a cabeça e o coração para praticar a empatia, mesmo que em situações simples e de forma muito lenta, é aqui que ela vai começar. E, novamente, se gentileza gera gentileza, ela retorna para nós também.
Colocar-se como igual e encarar a vida como um eterno exercício de respeito ao que o outro sente e, principalmente, a quem o outro é não é tarefa fácil. Sair da zona de conforto incomoda e, por vezes, isso vai exigir de nós muito mais do que estamos dispostos a dar. Superar a vida turbulenta, a agenda cheia e o celular que nos faz cada vez mais reféns de uma vida que não existe vai doer em muitos momentos.
Mas aí é que está. Se Marisa Monte estiver realmente certa — eu posso apostar que sim — e todos precisamos de palavras de gentileza, o modo como tratamos o outro diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre ele.
Pode parecer clichê, mas se gentileza faz bem pra quem recebe, faz muito mais pra quem pratica.
*Natasha Lima Reis Silva é estudante de Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC (UFABC).