Por Marcella Erédia e Natasha Lima

O cinema indiano, mais conhecido como Bollywood, é responsável por produções de grandes orçamentos que movimentam bilhões de dólares anualmente, sendo um dos polos cinematográficos mais importantes do mundo. Em 2018 estimava-se que sua produção girasse em torno de 364 filmes por ano.

Em termos de narrativa, os filmes são conhecidos por suas passagens divertidas e comoventes, repletas de apelo emocional, dramas familiares e amorosos, heróis e vilões. A estética é marcada pelo caráter teatral, diretamente ligado à identidade e cultura do país e, portanto, repleta de dança e música. Tais características o tornam mais atrativo para o povo indiano do que o cinema feito em Hollywood, apesar de também sofrer a influência da indústria ocidental.

O que muitos desconhecem é que não só de melodramas — que muito se assemelham às novelas brasileiras — vive Bollywood. As produções também trazem análises relevantes a respeito das relações da sociedade, igualdade entre gêneros e desigualdade social. Além disso, são uma forma de fortalecer a identidade cultural e nacional do país.

Nesta edição do Cine Sofá, trazemos dois filmes de destaque: Como Estrelas na Terra, que narra de forma emocionante a jornada de um professor na luta pela educação e desenvolvimento de um aluno com problemas de aprendizagem; e Dangal, sobre a trajetória de um pai que quer fazer das filhas mulheres vencedoras e, para isso, não mede esforços.

Como Estrelas na Terra (2007)
Direção: Aamir Khan, Amole Gupte
Elenco: Aamir Khan (Ram Shankar Nikumbh), Darsheel Safary (Ishaan Awasthi), Tisca Chopra (Maya Awasthi), Vipin Sharma (Nandkishore Awasthi) e Sachet Engineer (Yohan Awasthi)
Disponível na Netflix

A produção conta a história de Ishaan, um menino de 8 anos que mora com os pais e o irmão mais velho e que possui dificuldades de aprendizagem e relacionamento. Ele se esforça para atender às expectativas do pai e cumprir suas obrigações, mas falha. Prestes a repetir novamente o ano na escola, ele é considerado um caso perdido e acaba sendo enviado a um colégio interno, como última tentativa de melhorar seu comportamento.

No entanto, lá o cenário não é muito diferente. Com um sistema rígido de ensino, Ishaan é constantemente castigado psicológica e fisicamente pelos professores, e se sente cada vez mais desmotivado, perdendo, inclusive, a vontade de fazer o que mais ama: pintar. Soma-se a isso a saudade da família e a sensação de abandono.

É nesse momento que chega à escola Nikumbh, o novo professor substituto de Artes. Conhecido por sua metodologia criativa, ele logo percebe que o garoto sofre de dislexia e que, diferente do que se imagina, Ishaan possui inteligência fora do comum. Ele decide, então, aplicar novos métodos de ensino para o garoto, a fim de não só desenvolvê-lo, mas fazer com que ele se sinta acolhido e respeitado. A partir daí, constrói-se uma relação de confiança e amizade entre os dois.

Ainda que de forma leve e descontraída, o diretor Aamir Khan — que também interpreta o professor Nikumbh — traz à tona reflexões acerca da marginalização de crianças e adultos com dislexia e outros distúrbios que impactam o processo de aprendizagem. Dedica-se não só a mostrar a importância do carinho, do respeito e da inclusão nesse processo, mas também de se construir um sistema educacional preparado, que tenha como objetivo principal o desenvolvimento dos alunos.

Como Estrelas na Terra é marcado por passagens repletas de emoção, lindas canções e cenas cativantes. Seu maior trunfo é, sem dúvida, usar uma narrativa simples para tratar de um assunto complexo e necessário e, com isso, mostrar o enorme potencial e a qualidade do cinema indiano.

Dangal (2016)
Direção: Nitesh Tiwari
Elenco: Aamir Khan (Mahavir Singh Phogat), Sakshi Tanwar (Daya Kaur), Fatima Sana Shaikh (Geeta Phogat) e Sanya Malhotra (Babita Kumari)
Disponível na Netflix

O filme é inspirado na história de Mahavir Phogat, um ex-lutador de luta livre que precisou abrir mão de uma carreira promissora devido à falta de incentivo e à necessidade de trabalhar para sustentar a família. Mantendo o amor pelo esporte, ele sonha com o dia em que seu filho homem conquistará a medalha de ouro para o país.

No entanto, mesmo recorrendo a todos os tipos de simpatias, sua esposa engravida quatro vezes e, em todas, dá à luz uma menina. Isso faz com que Mahavir se torne piada na vila em que mora — já que, para os indianos, ter apenas filhas mulheres é sinônimo de insucesso — e também desista do sonho de deixar seu legado.

Dez anos mais tarde, após suas filhas mais velhas, Geeta e Babita, se envolverem em uma briga com dois meninos, Mahavir se dá conta de uma coisa: as garotas possuem potencial para lutar. Ele decide, então, contrariar os costumes e preconceitos da época e treiná-las incansavelmente para que atinjam a perfeição e se tornem grandes lutadoras. Segundo ele, “um ouro é um ouro”.

Apesar de projetar suas frustrações nas meninas e levá-las ao limite por diversas vezes, no decorrer da história é nítido que o seu maior desejo é dar a elas outra opção além do casamento. Ele deseja fazer de suas filhas mulheres fortes e, para isso, enfrenta todas as barreiras que encontra no caminho.

Apesar das quase três horas de duração, o longa tem uma narrativa leve e descontraída. Por meio do amor incondicional de Mahavir pelas filhas, são trazidas discussões sobre a construção do papel social da mulher em uma sociedade machista e patriarcal e, também, sobre a importância do incentivo e da representatividade no esporte.

Geeta, Babita e suas outras irmãs tornaram-se grandes lutadoras e personalidades importantes na história do esporte na Índia, tendo conquistado diversos campeonatos internacionais. Ambas seguem fazendo carreira até os dias de hoje e servem de inspiração para milhares de garotas no país.

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