Fernanda Oliveira Costa dos Santos

Resumo: Fernanda Oliveira Costa dos Santos, professora da creche municipal Albert Sabin (Guarujá), desenvolveu um projeto inovador focado no brincar livre de crianças de primeiríssima infância (0-3 anos). Levando as crianças para fora da sala, de maneira simples e prazerosa, as ações priorizaram a integração entre bebês e natureza, conectando também suas famílias ao projeto e trazendo-as para a escola. A proposta de desenvolvimento intelectual, social, emocional e físico tem duração de um ano e envolve em média 21 crianças por edição, desde 2015. Confira o relato de Fernanda sobre o Projeto Meu Quintal.

Palavras-chave: Primeiríssima infância. Educação infantil. Brincar livre. Natureza. Família.

 

“Certa manhã, bem no início do ano letivo de 2015, resolvemos  tirar os bebês da sala de aula e ficar alguns instantes do ‘lado de fora’, debaixo de duas árvores enormes que temos no Neim (Núcleo de Educação Infantil Municipal). Concluído o período de adaptação, era o primeiro dia dos pequenos sem a presença dos pais na unidade. Imagine a loucura! Aquela choradeira de alguns, outros pedindo colo, chupeta, mamãe etc., mas, mesmo assim, resolvi encarar o desafio e mudar de ambiente. Para minha surpresa (e alegria), o choro cessou! Quase que num passe de mágica! Os encantos foram tantos que cheguei a ficar emocionada. Ali, na minha frente, pude presenciar uma reconexão! Logo vieram alguns comentários: bebês podem andar com pés descalços na grama? Os pais vão reclamar! Sim, eles podem ( e devem) andar descalços! Cheguei a dizer: gente, é reflexologia!

Sempre soube que, no início da fase locomotora, é muito importante que sejam proporcionados diferentes estímulos sensoriais, e um deles é o contato com elementos da natureza. Esse relacionamento se estreita de maneira natural enquanto os pequenos brincam. Você já parou para observar uma criança seguindo uma trilha de formigas? Percebeu quanto são habilidosos enquanto tentam ‘subir’ nas árvores? E a carinha de satisfação que fazem quando experimentam aquele belo punhado de terra? (Sim, isso acontece!). Ah… é encantador perceber a capacidade que as crianças têm de ‘admirar-se com o mundo’. Mas, dessas percepções, a mais significativa foi lembrar a minha infância. Que delícia era correr descalça pelas ruas de terra do bairro em que eu morava! Memórias que foram geradas começaram a pulsar, e percebi como a natureza se mantém matéria essencial da brincadeira ainda nos tempos de hoje! E, principalmente, dei-me conta de como este diálogo com o mundo natural é imprescindível para o desenvolvimento global da criança. Muito simples, mas, infelizmente, o que temos visto é uma geração criada na frente da tevê ou com um celular na mão. A tecnologia é uma ferramenta maravilhosa, mas não pode substituir a sensação refrescante de um belo banho de chuva, por exemplo.

Depois do que meus olhos viram, não tive outra opção que não fosse a de proporcionar aos meus bebês mais e mais momentos com e na natureza. O livro Brinquedos de chão, de Gandhi Piorski, veio como um bálsamo e, por meio dele, o projeto Meu Quintal decolou.

O Meu Quintal foi apresentado por mim em 2016 no Museu Pelé, no encontro da Omep (Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar) na Baixada Santista e, a partir daí, tem estendido raízes. O projeto também ganhou uma matéria linda escrita pela Ana Carol Thomé, do Ser Criança é Natural, no site Conexão Planeta, e teve mais de 5 mil compartilhamentos! Confesso que não entendi porque algo tão simples (pensava eu) despertava tanto interesse. Uma emissora de tevê local também foi ao nosso Quintal conhecer mais sobre o projeto.

Confesso que não entendi porque algo tão simples (pensava eu) despertava tanto interesse.

 

Depois de certo tempo, em meados de outubro de 2016, percebi que nossos pequenos exploradores precisavam alçar voos mais altos. Literalmente ultrapassar os muros da creche. Meu pai, carinhosamente chamado pelos bebês de Vovô Chico, ofereceu nosso sítio para uma ‘pesquisa de campo’, e esse convite foi prontamente aceito pelos pais dos pequenos. Pois bem, tudo pronto para a nossa aventura! Quando chegaram lá, ficaram maravilhados com tantas novidades; colheram goiaba, jaca e araçá. Fiscalizaram uma horta de pneus cheinha de temperos; tiveram uma verdadeira aula de pesca com meu pai no lago onde ele cria tilápias. Tomamos suco de limão-cravo colhido na hora. Conversamos com as bananeiras (e uma das crianças afirma que foi respondida). Lavamos pés e mãos na água gelada que vinha da cachoeira. Brincamos num balanço, rolamos na grama, fizemos uma minitrilha etc.

Que delícia! Infelizmente, o tempo foi curto demais e tivemos que voltar, mas uma coisa posso afirmar: aquele grupo nunca mais foi o mesmo! Foram marcados por uma explosão de cores, sabores, cheiros, texturas e muito amor. Tomamos uma dose generosa de vitamina ‘N’.

Todos os dias momentos de rara beleza, encantamento e descobertas eram presenciados por mim e por muitos deles, registrados pela câmera do meu celular. No quintal, toras de madeira cortadas se transformam em um bolo, uma ponte e às vezes são apenas toras. Onde algumas lupas ajudam a visualizar um mundo minúsculo e diverso. Besouros, formigas, minhocas, lagartas, borboletas, joaninhas. Onde um coco verde encontrado caído no quintal vira objeto de pesquisa e degustação. Lugar onde os sentidos foram apurados. Palco de verdadeiros espetáculos musicais comandados por uma diversidade de pássaros. E o repertório de palavras? Ahhhhh… quanta mudança! Os bebês iniciaram o ano balbuciando alguns dadá, papá, mamá e, já no final do segundo bimestre, palavras como couve, regador, beija-flor, aroeira, coqueiro faziam parte do cotidiano.

Esse contato diário com a natureza e com pequenos animais — um coelho e dois jabutis — tornou-se indispensável. As famílias participaram de maneira efetiva e relataram as mudanças no olhar dos pequenos em relação à natureza e quanto os ‘valores’ de toda a família foram mudados (para melhor, segundo eles). Hortas caseiras foram feitas pelos pais e familiares e, no final de 2017, tivemos uma linda exposição aberta ao público. Sucesso absoluto! Essa parceria família/escola foi fundamental para o andamento do projeto e por tudo que ele vem proporcionando.”

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