Por Gustavo de Oliveira
O trabalho é uma dinâmica que envolve a existência de todas as pessoas do mundo. Afinal, ele gera o movimento que faz a “máquina do planeta” girar. Por isso é muito comum que a experiência de trabalhar ocupe todos os espaços da existência de alguém, impedindo que exista algum tipo de vida fora disso. Principalmente quando essas pessoas se isolam pessoalmente ou fisicamente por causa do trabalho. Sendo um elemento tão forte na vida humana, é comum que o labor seja matéria-prima para obras artísticas dos mais variados tipos, sobretudo quando existe um contato mecânico, como nos videogames.
Essa é a base de Still Wakes the Deep, um jogo de terror desenvolvido pelo estúdio Chinese Room. A história dele se passa em 1975, quando um homem chamado Cameron enfrenta alguns problemas com a polícia e com sua esposa. Para tentar escapar de tudo, ele aceita um emprego de eletricista na Beira D, uma plataforma de petróleo no Mar do Norte, na Escócia, mesmo que não demore muito para que a polícia o encontre e ele necessite retornar para o continente. Contudo, no dia em que isso acontece, um acidente ocorre na plataforma e faz com que ele viva, literalmente, uma história de terror.
Com essa premissa, o jogo tenta demonstrar como mesmo lidando com as piores tragédias, o mundo não quer que a gente pare de trabalhar. Essa ideia é o carro-chefe da experiência, por meio da construção de uma ambientação que é muito próxima de uma rotina de trabalho. O jogo nos aproxima dos seus colegas de trabalho e da distribuição geográfica da plataforma com um naturalismo e verossimilhança muito fortes. Então, mesmo com poucos minutos, é possível sentir-se como um trabalhador que está embarcado há muito tempo.
Logo essa normalidade acaba e dá espaço para o medo que uma história de terror sempre vai tentar estabelecer. Algo misterioso ocorre na plataforma, fazendo com que alguns dos funcionários comecem a agir de um jeito estranho e violento. Por isso, vamos precisar nos esconder e esgueirar pelos corredores da plataforma, pois lutar contra eles é impossível. Não existem formas de combater alguém que é muito mais forte fisicamente e que até alguns momentos atrás dividia uma forte relação de trabalho.
Mesmo com toda essa dinâmica, o ponto mais aterrorizante do jogo é o fato de que a única maneira que Cameron encontra para sobreviver é continuar trabalhando. No meio dessa catástrofe, ele e outros personagens precisam trabalhar para manter o funcionamento da plataforma num contexto em que é impossível isso acontecer, fazendo com que o jogo estabeleça dinâmicas e desafios de gameplay que envolvem tarefas da rotina de trabalho de cada um deles. Os personagens que não conseguem viver nessa lógica acabam se transformando em algo que não é humano.
Enfim, Still Wakes the Deep faz um comentário sobre as diferentes maneiras como o trabalho pode desumanizar o ser humano. Seja com a punição para quem não se encaixa em um cenário de exploração e opressão, seja pelo fato de que somos obrigados a continuar trabalhando, mesmo quando parece que o mundo está acabando.
Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.