Gerson Carlos Tiburcio
Esta reflexão traz o perfil de uma grande parte dos educadores brasileiros que vive escondida atrás de cartilhas, muitas vezes desatualizadas, que não condizem mais com o perfil da juventude do século XXI. Com isso há um embate entre os próprios professores, a famosa cartilha aniquiladora, e os estudantes.
Conseguiram enfiar mais de 40 filhos de pobres numa sala que andam dizendo ser de aulas, e outros tantos com necessidades educacionais especiais, inseridos no meio dos ditos alunos normais, simplesmente com a finalidade de fecharem salas de aula e desviar a verba educacional para outras finalidades duvidosas. E com uma sala de aula em turbulência, se o aluno não aprendeu é porque o professor não ensinou. O pior é que a lavagem cerebral é tamanha que muitos pais ou responsáveis acreditam nessa enorme manobra do sistema, e culpam o professor por essa falência educacional na qual, se os filhos dos pobres não aprendem, é por culpa dos professores, que não ensinam direito.
É certo que muitos professores acreditam que a nuca do amiguinho é que vai garantir a aquisição do conhecimento, enquanto todos em silêncio estão fazendo cópia de uma página de um livro do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Para completar a grande farsa, quando algum professor mais consciente resolve passar uma atividade para ser realizada em casa, recebe reclamações dos próprios responsáveis, de que o professor X ou Y está atormentando a mente de seus filhos com inúmeras tarefas para casa. Parece que a leitura estraga a visão, como diziam os fazendeiros em tempo da escravidão, e que a manga com leite, com os quais fazemos vitamina, proporciona a chamada congestão que poderia levá-los a óbito. Os coitados mal podem imaginar que uma alimentação balanceada e uma boa leitura poderiam proporcionar a eles uma liberdade mais próspera. O que você acha que merece um povo desse, além dos governantes que têm, que andam fechando indústrias, postos comerciais e provocando o desemprego em massa? Você acredita em uma alienação mais poderosa do que um profissional da educação alienado?
Você vai continuar acreditando que os filhos dos pobres aprendem o suficiente numa sala que dizem ser de aula, em que muito mal o professor consegue se locomover, e ainda fazer atividades diferenciadas para atender à necessidade daqueles estudantes que já estão no 9º ano do ensino fundamental e até o momento não aprenderam a ler e escrever? Que dirá pensar por meio da contextualização! E a aprendizagem sem uma contextualização com a realidade atual seria como um canudo de churros sem nenhum recheio. Tudo na vida é contextualizado por meio de links cognitivos. E para deixar ainda mais claro esse vácuo educacional desregrado, mas pensado como um projeto elitizado, os filhos dos pobres são treinados nos próprios bancos escolares para atuarem conscientemente como massa de manobra que cava a própria cova, sem perceberem que o pobre que a um rico apoia serve apenas de pinico. E aqueles poucos alunos que leem e escrevem não aprenderam a tirar o olhar da nuca dos coleguinhas. E muitas mães acreditam na farsa de que a aprendizagem é progressiva ao longo dos nove anos propostos para o ensino fundamental, que se o seu filho não aprendeu a ler, escrever e calcular nos anos iniciais, ele será alfabetizado até o fechamento do ciclo, quando completar os nove anos de aprendizagem do ensino básico. Está aí a grande farsa para com a educação dos filhos dos pobres. E é comum encontrarmos alunos que não foram alfabetizados ao longo do ensino fundamental, já no término do ensino médio. Será que serão alfabetizados no ensino superior? Será que isso é mesmo o ensinar e aprender na vida de um ser humano?
A contextualização para poucas disciplinas não tem passado de eternas cópias desde o início da educação no Brasil. E com o andar da carruagem, percebi que os verdadeiros mapeadores do ambiente de aprendizagem não são os professores das ciências humanas. Você vai continuar a acreditar que a educação que é oferecida aos filhos dos pobres em salas superlotadas e mapeadas, em que os alunos olham apenas a nuca a sua frente fazendo cópias para o professor atribuir um visto, vai libertar o povo da famosa alienação? Essa abordagem é de conhecimento público, mas aquele que não sabe organizar dificilmente saberá trabalhar contextualizado com outros colegas de disciplinas diferentes da sua. E é isso mesmo que o sistema quer: quanto menos organizados, melhor. Assim quase ninguém ensina e o povo não aprende, para a sua própria liberdade. Tem professores que se dizem donos do saber, mas que não passam de seres alienados diante de cartilhas desatualizadas para não terem o trabalho de fazer uma leitura completa da nova apostila. É difícil cobrar que os alunos cheguem ao término do ensino básico lendo e escrevendo, sendo que muitos professores não sabem fazer uma leitura contextualizada dizendo que isso vai atrasar o seu conteúdo. Que conteúdo é esse que nada contextualiza para a vida real?
De que adianta despejar um conteúdo por meio de diversas cópias sem fundamento para dizer que está trabalhando para o bom aprendizado dos estudantes? Um povo que vai à escola e fica apenas fazendo cópias para o tempo passar jamais terá a sua liberdade de expressão garantida. E um professor que não aprendeu a trabalhar em equipe está contribuindo para a sua própria alienação, e levando junto a si vários estudantes, que não aprenderam o poder que tem um povo quando organizado. Esse tipo de professor é aquele que contribui para o empobrecimento de todo um povo, que vai continuar a viver sem esperança.
Que conteúdo é esse que nada contextualiza para a vida real?
Não existe nada mais alienador que um professor desqualificado pedagogicamente, que atende apenas aos interesses do próprio sistema, que está aí para aniquilar cada vez mais a aprendizagem do povo pobre. Quando os próprios professores e a comunidade escolar passam a acreditar que o caos das superlotações de salas de aprendizagem é normal, não podemos esperar uma recuperação pedagógica daquilo que hoje vive à base do copiar e colar que a nota vem. Já estamos muito distantes do que venha a ser a aprendizagem real. E você acredita que a nuca do coleguinha vai lhe trazer conhecimento? Se assim for, tenha um bom mapeamento.
Outro dia uma senhora professora me disse que não consegue ministrar suas aulas se a sala não estiver bem enfileirada e silenciosa. Disse a senhora que no tempo da ditadura todos os alunos tinham de se levantar quando uma pessoa fazia uma visita à sala de aula, e que naquela época todos os alunos aprendiam de verdade. Estamos no século XXI, mas a metodologia de ensino utilizada por grande parte dos professores ainda tem na sua estrutura de centro o princípio da educação brasileira. Que é uma sala de aula mapeada com os alunos e um professor sentado à mesa que utiliza, muitas vezes a cochilar enquanto os estudantes estão fazendo uma cópia para receber um carimbo e um visto. Será que em pleno século XXI ainda existe esse tipo de professor? Claro que existe, e em quantidade suficiente para manter os filhos dos pobres aniquilados. A única diferença é que hoje as salas de aulas estão superlotadas, e em muitos casos chegam a ultrapassar o número de 40 estudantes em cada ambiente de aprendizagem, aos cuidados de um único professor.
No dia em que a maioria dos professores aprender que unidos vamos mais longe, quem sabe essa qualidade de ensinar e aprender apareça. Vários professores se escondem atrás de uma cartilha desatualizada e não sabem explorar a tecnologia para ao menos atualizar o que a própria cartilha ultrapassada pelo tempo não mais retrata: a atualidade escondida nas inovações tecnológicas.
O que sabemos é que nunca é tarde para aprender, porém, quanto antes, melhor. Mas quando será esse grande dia?
Gerson Carlos Tiburcio, é escritor, e autor de livros e artigos, é professor de Geografia e História da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e professor Universitário.