Por Gustavo de Oliveira

A música gospel, em todas as suas variações, tenta seguir um significado linguístico único: a origem da palavra gospel. O termo tem a significação terrena, que vem de “God spell”, que quer dizer “Deus soletra”. Mas no contexto religioso, “gospel” são as “boas novas”, a distribuição da mensagem do evangelho e da salvação eterna por meio de Jesus Cristo. Nos Estados Unidos, essa música serviu a esse propósito. Entretanto, não apenas com direcionamento espiritual, e sim como libertação e desenvolvimento cultural e social. Foi um fenômeno nas comunidades negras escravizadas e até hoje estende sua influência na cena musical norte-americana.

Durante o longo período de escravidão nas terras norte-americanas, muitos cânticos gospel foram adaptados pelos grupos escravizados como uma forma de aliviar a dor de toda a exploração diária. Com o tempo, essas músicas ganharam importância material e tornaram-se um meio de comunicação. Serviam para informar aos companheiros que queriam fugir os melhores caminhos para se passar, os lugares que deveriam ser evitados e quantos guardas protegiam esses locais. Essas composições eram chamadas de “Spirituals” e, após a abolição da escravatura, eram cantadas nos templos e igrejas afro-americanos.

Com essa presença forte no dia a dia da população negra, não demorou para a música gospel ser um berço para o crescimento musical de diversas comunidades, o que acabou colaborando para a criação de estilos musicais como o blues e o jazz, além de representar uma forte influência no rock. Essas relações fizeram com que grandes artistas surgissem, entre eles uma que contribuiu muito para abrir espaço para mulheres negras produzirem seus trabalhos.

Nascida em 1915 no Arkansas, Sister Rosetta Tharpe foi uma cantora e instrumentista que, com sua guitarra elétrica e letras espirituais, definiu as bases do rock n’roll. Pioneira também em técnica, foi uma das primeiras a utilizar a distorção em seus instrumentos, o que acabou se tornando algo bem comum nas décadas seguintes. Suas composições aproximavam o mundo secular do sagrado, em um mistura que permitia que temas considerados tabus fossem discutidos por uma mulher negra no auge da opressão norte-americana.

Sua canção “Strange Things Happening Every Day” é considerada a primeira gravação de uma música de rock e fez história ao entrar no top 10 da Billboard, a revista norte-americana que lista as canções mais tocadas e vendidas. Apesar de toda a importância musical e social, a vida e a história de Rosetta foram esquecidas. Após sofrer um derrame em 1970, precisou amputar sua perna devido a complicações do diabetes. Em 1973, faleceu após sofrer novo derrame e acabou sendo enterrada em um túmulo sem identificação. Em 2008, foram angariados fundos para a compra de uma lápide, e em 2018 seu nome foi incluído no Hall da Fama do Rock.

A música gospel garantiu que escravizados conseguissem refúgio espiritual, social e material. Além disso, criou as bases para que as comunidades negras dos EUA pudessem formar suas bases culturais. Por isso, precisamos preservar e valorizar a memória dos indivíduos que criaram esse rico espaço de coletividade artística.

Clique AQUI para ouvir “Strange Things Happening Every Day”, Sister Rosetta Tharpe.


Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.

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