Por Ronaldo Campos
O Banquete de Platão (não confunda com um pratão num banquete. São coisas diferentes!) foi escrito provavelmente em 385 a.C. O livro conta a história de um banquete realizado por Agatão para comemorar a encenação de algumas de suas peças teatrais — após um longo e dificílimo concurso. Sócrates é o mais ilustre de todos os convidados. Além dele, estão presentes Fedro, que é professor de retórica, um médico chamado Erixímaco e o poeta Aristófanes. Apesar de Sócrates não apreciar as obras de Agatão, mesmo assim, resolve ir ao banquete e leva a tiracolo um penetra, chamado Apolodoro.
Logo no início do banquete, Erixímaco propõe um “simpósio” entre os comensais. O tema escolhido é o amor. O primeiro a discursar é Fredo. Ele diz que o deus do amor — Eros — é o mais antigo dos deuses, inclusive mais antigo que Cronos que é o deus do tempo. Porém, há o amor “celestial” e o amor “popular”. Este concentra-se mais no desejo do corpo do que da alma. O problema desse amor é a inconstância, ou seja, ora se tem muita ternura ora se tem muita excitação.
Aristófanes cria uma explicação bem-humorada sobre a origem do amor. Segundo ele, existiam três gêneros humanos: feminino, masculino e andrógeno. Todos eles possuíam uma só cabeça com duas faces, quatro braços, quatro mãos e quatro pernas com quatro pés. Sentiam-se tão poderosos que decidiram se rebelar contra os deuses. Zeus, pai dos deuses, ficou tão furioso que resolveu dividi-los pela metade. Divididos, os humanos começaram a procurar desesperadamente “sua cara metade”.
Em seguida, Sócrates toma a palavra e relata uma conversa que teve com a sacerdotisa Diotima. Ele disse que ela lhe contou que o amor desempenha na vida funções de mediação entre a consciência ignorante e o pensamento. Como intermediário, o amor precisa buscar o que é eterno e imortal na precária condição humana. É capaz de superar o simples sentimento de beleza. A beleza que tem o poder de criar outras belezas e que, ao mesmo tempo, luta pela imortalidade.
Ao adotar a ideia de que a beleza no ser humano tem algo de sagrado, Platão, que escreveu O Banquete — Sócrates não escrevia, ele preferia se comunicar oralmente —, sustenta que o verdadeiro amor é o que mobiliza a alma para que ela se devote à pura contemplação da beleza, sem se entregar à sensualidade corporal. Essa “leitura” originou a expressão “amor platônico” em oposição ao “amor socrático” que é o amor entre pessoas do mesmo gênero.
Platão marca o início da história da reflexão sobre o amor e nos dá um exemplo maravilhoso de pluralismo. Ele inaugura a defesa da diversidade, sem preconceito a qualquer tendência. Sabemos que a sociedade cria os valores, os indivíduos os interpretam e lhes dão vitalidade. Quando os sentimentos mais fortes desafiam a reflexão, eles interpelam as pessoas. Exigem delas que compreendam melhor o que está se passando em suas vidas e quais escolhas farão. Afinal, além do plano subjetivo, o amor, que sempre se realiza na ação, tem o poder de incitar os seres humanos à busca de um mundo melhor e mais justo.