Por Gustavo de Oliveira
No dia 13 de julho de 1977, uma falha no sistema de distribuição de energia da cidade de Nova York (EUA) mudaria o futuro da música para sempre. O apagão que durou uma madrugada inteira, deu força e luz para o fortalecimento cultural de milhares de jovens músicos. Para melhor entender essa situação, precisamos voltar alguns anos no tempo.
Por volta de 1970, nos subúrbios nova-iorquinos, moradores negros e latinos dividiam seus espaços com a pobreza, a violência e o preconceito. Porém, nesse contexto, eles também compartilhavam o gosto pelas festas e músicas. Trazido por imigrantes jamaicanos, equipamentos e carros de som chamados de Sound System ditavam o ritmo dos habitantes daquele local. Essas festas foram os primeiros passos para o surgimento do que hoje entendemos como movimento hip-hop.
Por si só, a cultura hip-hop é um conjunto de manifestações artísticas urbanas envolvendo também a dança e as artes plásticas (por meio do grafite). Essa foi a maneira encontrada pelos moradores dessas periferias para lidar e se desprender do cotidiano de violências que eram expostas. Apesar da grande popularização do estilo musical por meio do rap, existia uma barreira que impedia o acesso de maneira massiva: o custo de aquisição dos equipamentos.
Com a estagnação econômica e o desemprego em taxas altíssimas, era praticamente impossível para qualquer um se dedicar à produção musical ou à atividade de DJ. Nesse contexto, podemos retornar para o apagão de 1977, noite em que foi registrado o maior saque a lojas na história de Nova York.
Dentre os itens que mais foram saqueados estavam os aparelhos de som e discos de vinil. Os elementos principais na produção do rap. Estima-se que um terço da aparelhagem disponível em todas as lojas da cidade foi levado durante o caos do apagão. Esse acontecimento não era apenas reflexo do desejo das pessoas de produzirem arte, mas também uma resposta ao descaso e desamparo a que eram expostas todos os dias.
Jovens negros e latinos não possuíam espaço para se expressar nem construir as garantias necessárias para sua sobrevivência. Ícones e pioneiros da cultura destacam aquele momento como algo muito especial. Em uma entrevista para o New York Times, o rapper Curtis Fisher, conhecido como Grandmaster Caz, afirmou que aquele dia foi “como o Natal para a população negra”.
Por mais que algumas pessoas relacionem eventos como esse, e a cultura hip-hop como um todo, à criminalidade, o apagão indica uma movimentação contrária a essa ideia. A partir daquele 14 de julho, era cada vez mais comum andar por Nova York e encontrar pick-ups, os aparelhos utilizados pelos DJs para tocar as canções nas festas. Com a proliferação desses eventos e manifestações culturais, esses jovens que se agrupavam em gangues para disputar prestígio e território agora se organizavam em grupos de dança, rima e grafite.
As competições e encontros não eram mais ditados pelas armas, mas pela dança e pelas músicas. Os que mais se destacavam eram aqueles que melhor dançavam, pintavam e cantavam. Esse sentimento nasceu graças à movimentação de artistas e personalidades como Kool Herc, Cindy Campbell e Afrika Bambaataa, que enxergaram o hip-hop como uma alternativa e ferramenta para mudança de vida, dando sentido à existência de comunidades negras de todos os Estados Unidos.
Esse acontecimento fez com que essas pessoas encontrassem uma alternativa prática para as barreiras impostas a elas. Impulsionados pelo senso de comunidade do rap, os MCs, DJs e artistas em geral desenvolveram a música como um movimento e conseguiram utilizá-la para relatar o seu cotidiano, contribuindo assim para o fortalecimento da carga política e engajada do movimento hip-hop.
O apagão de 13 de julho de 1977 representa a força de pessoas que encontraram na adversidade uma maneira de desenvolver seus sonhos. Um momento de escuridão que acabou dando luz para a música mundial e ampliando horizontes artísticos e sociais de milhares de pessoas. Um grito que aconteceu quase 50 anos atrás, mas que reverbera até os dias de hoje.
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Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.