Por Gustavo de Oliveira

Algumas obras utilizam a ficção para explorar os mais irreais acontecimentos. A imaginação serve como instrumento para dar solidez àquilo com que sonhamos e temos certeza de que não existe. Porém, é praticamente impossível que algo seja criado do mais absoluto nada. Tudo é feito e relacionado com algo que vemos na vida e no mundo real. O irreal é consequência do real, logo nada é mais surreal do que a realidade.

Um desses exemplos é Another Crab’s Treasure, um jogo que mistura obras como Dark Souls e Bob Esponja para mostrar que a nossa realidade é bem mais fora do comum do que imaginamos. Ele é o que consideramos um soulslike, um estilo de jogo conhecido por sua dificuldade, combate metódico, visuais sombrios e história bem pessimista. Porém, aqui as coisas são um pouco diferentes, ao mesmo tempo que essas referências são respeitadas.

Um dos temas principais de Another Crab’s Treasure é como as condições sociais do mundo em que vivemos nos isolam de outras pessoas. Iremos acompanhar a história do Kril, um caranguejo que tem sua concha roubada por um agiota marítimo e que vai precisar fazer muita coisa para conseguir recuperá-la. Ao contrário de outros jogos do gênero, aqui a acessibilidade será utilizada para mostrar que o único jeito de superar os absurdos da vida é pela coletividade.

O Kril é um personagem com ansiedade social e por isso ele se isola de todo mundo, principalmente pelo medo do que pode encontrar no mar. Os habitantes do mar, apesar de viverem em cidades, coexistem num contexto extremamente individual, já que precisam encontrar um jeito de sobreviver em meio à poluição. Poluição essa que é utilizada por empresários e políticos como forma de opressão e lucro por meio da exploração. Essas ideias são bem distantes da realidade do fundo do mar, mas bem próximas do mundo real absurdo em que vivemos.

Apesar disso, Another Crab’s Treasure não se entrega ao pessimismo. Ele propõe uma solução para esses problemas por meio do senso de pertencimento a uma comunidade, que nasce quando percebemos que fazemos parte de um contexto coletivo. E isso fica evidente não só na história dos personagens, que precisam unir forças para vencer os vilões e conquistar uma vida melhor, mas também na maneira como o jogo se comporta conosco, jogadores.

Consciente de que faz parte de um gênero nichado de jogos de videogame, esse jogo talvez seja o soulslike perfeito para quem quer se introduzir no meio. Seu combate é construído com uma lógica bem simples, mas que consegue ser satisfatória. Sua exploração, inspirada em jogos de plataforma 3D, aproxima-se das lógicas mais estabelecidas dos videogames, o que faz com que qualquer pessoa entenda o funcionamento dela. Mas o mais importante é como ele deixa você decidir a maneira como a sua experiência de jogo vai ser.

Isso é importante porque ele não quer ser um jogo que funciona como uma barreira, e sim como uma porta de entrada para o gênero e para uma comunidade, permitindo que todos que estejam interessados joguem com aquilo que mais corresponda ao seu entendimento de videogame. Porque é assim que funciona a coletividade, pelo entendimento e pelo respeito às individualidades de cada um. E principalmente quando falamos de arte, não podemos cair no absurdo de que algumas coisas não são para todo mundo.


Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.

Imagem: Divulgação (PlayStation)
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