Por Camila Barreto

Quando falamos sobre moda, abre-se um universo de discussões possíveis, e o que mais habita o imaginário coletivo parece ser a questão do consumo, da frivolidade, da performance. De fato, a última temporada da Paris Fashion Week trouxe passagens impressionantes, desde o desfile da Coperni, com seus cachorros robôs entre as modelos — inspirado na fábula “O lobo e o cordeiro”, de La Fontaine — até a coleção de outono-inverno 2023-2024 da Anrealage, do designer Kunihiko Morinaga, com vestidos que misturam natureza e futurismo inspirados nos anos 1950 e feitos de materiais que mudam de cor quando expostos à luz solar natural (raios UV).

Mas, para além dos fashion shows espetaculares da Paris Fashion Week, a moda está muito presente no dia a dia de pessoas normais como eu e você. Há aqueles que acreditam que é possível abdicar da moda, simplesmente optando por não participar das tendências ou não se importar muito com o que se veste. Será que essa renúncia é de fato possível?

Em seu livro Inéditos: imagem e moda (volume 3), Roland Barthes explica que “o homem vestiu-se para exercer sua atividade significante”. Isso implica dizer que, se vestir-se é um ato de significação, logo é, também, um ato social que, segundo o autor, está inserido no cerne da dialética das sociedades. Isso ocorre porque somos seres essencialmente visuais, e a nossa comunicação não verbal é muito importante na nossa interação. Aí está a importância da semiótica, isto é, dos signos, pois esta é, de acordo com Oscar Niemeyer, a principal categoria em que se enquadra a maior parte da produção em design.

A moda, desde há muito, desempenha um papel social, tendo em vista que no decorrer da história das sociedades a vestimenta contribuiu para estabelecer, reforçar ou subverter fenômenos sociais latentes, sendo também um grande indicador de como as pessoas, através da história, interpretam determinada forma de cultura e a apropriam para seu próprio uso. Para a socióloga Diana Crane, as roupas são como “artefatos que criam comportamentos por sua capacidade de impor identidades sociais e permitir que as pessoas afirmem essas identidades latentes”.

Basta lembrar de como fenômenos sociais importantes vêm acompanhados de mudanças de paradigmas relacionados à indumentária: o vestuário feminino na Era Vitoriana, que era pouco funcional e restringia a movimentação corporal das mulheres, em consonância com o modo como elas eram subjugadas à época; a vestimenta dos camponeses que participaram da Revolução Francesa, que foi dotada de grande significado político com os sans-culottes (aqueles que usavam calças sem culote, um tipo de pantalona); os uniformes nos ambientes fabris depois da Revolução Industrial, entre muitos outros exemplos que a história dos deixa.

Além disso, a moda contribui para a criação e afirmação de uma identidade pessoal. As roupas têm poder. Você já percebeu que, quando vestimos nossa roupa favorita, nos sentimos muito mais capazes e influentes? O vestuário propicia a criação dessa autoidentidade significativa porque, a partir dele, criamos narrativas próprias. Não é à toa que grandes figuras se utilizam dessa ferramenta para gerar influência ou abismos. Por conta disso, surgem também, em contrapartida, os movimentos de contracultura — como o movimento punk e o hippie, por exemplo —, e aí podemos ver como a dialética social se expressa também no vestuário.

Você pode até pensar que não faz parte desse movimento, isso porque, provavelmente, não assistiu à icônica cena do suéter azul de O Diabo Veste Prada. No trecho, a assistente Andrea ri porque não vê diferença entre os dois cintos cotados para a montagem do vestuário, já que ambos são azuis. Sua chefe diabólica, a editora-chefe da Runaway, Miranda Priestly, explica da forma mais ácida possível que Andrea acha que a moda não interfere na sua vida, quando, na verdade, o suéter azul que ela, Andrea, acha que veste despretensiosamente foi escolhido por pessoas daquela sala; e assim é a moda.

Um exemplo disso é o hot pink — o rosa quente, em português — que foi mote da coleção de outono-inverno 2022 da marca de luxo Valentino, do premiado estilista Perpaolo Piccioli, que trouxe às passarelas a tendência barbiecore com o seu desfile monocromático Pink Dream. Esse hot pink chega agora às lojas de departamento mais populares do Brasil, assim como outras roupas cujas cartelas de cores foram definidas por pesquisadores, designers e estilistas de todas as partes do mundo para serem então passadas para as indústrias têxteis de seus países, e posteriormente vendidas para pessoas normais, como eu e você.


Camila Barreto venceu o Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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