Por Marcella Erédia e Natasha Lima
A presença de mulheres no mundo do audiovisual e do cinema, assim como em diversos outros setores da sociedade, sempre foi marcada pela desigualdade e falta de oportunidades.
Apesar do aumento considerável no número de filmes escritos, produzidos e dirigidos por elas nos últimos anos, o cenário ainda carrega uma grande disparidade de gênero, seja pela baixa valorização dessas produções, seja pela desconformidade salarial.
Nesta edição, o Cine Sofá lança luz sobre o assunto, trazendo dois filmes de destaque dirigidos por mulheres. O primeiro, The Farewell, é um drama chinês dirigido por Lulu Wang que fala sobre a morte e a diferença cultural entre Ocidente e Oriente. O segundo, Guerra ao Terror, dirigido por Kathryn Bigelow, narra a rotina de incerteza e tensão de quem vive no cenário de guerra e como isso os afeta.
Os dois filmes são exemplos de que não faltam talentos, mas sim visibilidade, e que é necessário ressignificar o papel da mulher na indústria, cedendo espaço e incentivando a sua produção.
The Farewell (2019)
Direção: Lulu Wang
Elenco: Shuzhen Zhao (Nai Nai), Awkwafina (Billi), Tzi Ma (Haiyan), Diana Lin (Jian)
Disponível em inglês no Google Play
The Farewell é um drama chinês que, em suas próprias palavras, conta uma “mentira verdadeira”. Uma história fictícia inspirada na vida de Lulu Wang, sua diretora.
O filme relata os eventos vividos por uma família chinesa após descobrir que a sua matriarca, Nai Nai, tem poucas semanas de vida. Por opção da família, Nai Nai não fica sabendo do seu diagnóstico. Mesmo assim, seus filhos e netos encontram um jeito para que todos possam se despedir da querida mãe e avó.
Sem que Nai Nai desconfie, a família organiza um casamento arranjado para um de seus netos e reúne os parentes na China. Todos participam, inclusive a família de seu filho Haiyan, que mora nos Estados Unidos.
Apesar da vida distante, a filha de Haiyan, Billi, é muito ligada à avó e faz um grande esforço, financeiro e psicológico, para poder estar presente no último encontro.
Billi é a protagonista da história e carrega consigo importantes questões que se desenvolvem ao longo do filme, como as diferenças culturais entre o Oriente e o Ocidente, a valorização do “sonho americano” e a própria morte.
De forma sutil e intimista, The Farewell fala sobre problemas e pessoas reais. Seu roteiro, também escrito por Lulu Wang, promove um breve e bonito contato com o cotidiano chinês.
O drama foi eleito por diversos veículos e festivais como um dos melhores filmes de 2019. Apesar de ter ganhado importantes prêmios, como o Globo de Ouro, The Farewell acabou ficando de fora do Oscar 2020.
Esse trabalho evidencia não só o talento de Lulu Wang, que, apesar do baixo orçamento e de um elenco sem grandes estrelas, criou um filme grandioso, como também a necessidade de ampliar o espaço e a visibilidade das mulheres do cinema.
Guerra ao Terror (2008)
Direção: Kathryn Bigelow
Elenco: Jeremy Renner (sargento William James), Anthony Mackie (sargento JT Sanborn), Brian Geraghty (especialista Owen Eldridge)
Disponível no Google Play e YouTube
Guerra ao Terror é um drama que conta o dia a dia de três soldados norte-americanos tentando finalizar a sua missão na Companhia Bravo dos fuzileiros em Bagdá, durante a Guerra do Iraque.
O filme inicia com uma frase do correspondente de guerra do The New York Times, Chris Hedges, que, de cara, nos dá uma ideia sob de qual perspectiva a história será contada: “O calor de batalha é um vício poderoso e muitas vezes letal, porque a guerra é uma droga. A guerra é uma droga”.
Faltando 38 dias para finalizar a missão, o sargento James assume o comando de um grupo de soldados responsáveis por realizar o desarmamento de bombas deixadas pela cidade. Com o passar dos dias, ele começa a ter conflitos com seus companheiros, o sargento JT Sanborn e Owen Eldridge. Além do estresse da operação, seu temperamento e sua quase obsessão por perigo e adrenalina colocam em risco a sua vida e a de outras pessoas.
O filme é uma produção independente, sem as inúmeras cenas de ação a que estamos acostumados quando se trata de histórias do tipo. O objetivo central é mostrar, sob o olhar dos soldados, como é a sensação de cumprir um dia de trabalho sem a certeza de que voltará vivo para casa.
Outra questão apresentada refere-se a como essa experiência transforma as pessoas, emocional e psicologicamente. Quando a guerra representa uma busca por identidade e por sentido na vida, ela pode se tornar um vício para quem a vivencia, mesmo que sem uma noção clara das suas motivações.
Guerra ao Terror foi o primeiro e, até então, único filme dirigido por uma mulher a ganhar um Oscar na categoria Melhor Direção. Kathryn Bigelow é, assumidamente, apaixonada por esse cenário e se consagrou no mundo do cinema ao contar histórias de cunho político com uma narrativa consistente e fundamentada.
Apesar de o filme ter sido um divisor de águas e ter feito história na premiação, dez anos depois, esse feito ainda não se repetiu. Mesmo com o aumento considerável das produções dirigidas por mulheres nos últimos anos, elas seguem recebendo menos indicações, o que mostra que o caminho ainda é longo na busca por equidade e igualdade de gênero na indústria cinematográfica.