Por Gustavo de Oliveira
Trilhas sonoras de filmes geralmente entram na memória de seus espectadores por embalar momentos grandiosos e marcantes. Geralmente o clímax ou algum momento bem impressionante visualmente de um longa possui uma canção que fica marcada na mente de quem assiste. Quando pensamos que cinema é movimento e dinâmica, é fora do comum a música acompanhar momentos “em que nada acontece”. Sobretudo em uma época em que somos instigados a consumir o maior número possível de imagens e informações.
Alguns músicos que se empenham em embalar essas obras visuais adotam outras perspectivas ao produzir trabalho. É o caso de Mamoru Fujisawa, conhecido profissionalmente como Joe Hisaishi. Compositor japonês, Hisaishi ganhou holofotes por seu trabalho em parceria com o animador Hayao Miyazaki. Com um estilo único, o músico consegue explorar e trabalhar com os mais diferentes gêneros, desde os clássicos japoneses até a música eletrônica.
Seu contato com a música começou cedo, quando tinha apenas 5 anos de idade e passou a ter aulas de violino. Em 1974, compôs seu primeiro sucesso para a animação Gyatoruzu, que deu início a sua jornada no mundo das produções cinematográficas. No ano de 1983, Hisaishi fez sua primeira obra junto de Miyazaki no filme Nausicaä do Vale do Vento.
Na época, Hayao ainda não havia fundado o estúdio que viria a se tornar referência mundial em animações, o Studio Ghibli. Seus filmes carregam consigo características e identidades únicas. Isso deve-se muito à arte de Hisaishi, que valoriza as referências geográficas de seu país e dialoga constantemente com as visões do diretor.
O que constrói essa percepção é a utilização, tanto por Hayao quanto por Joe, do conceito japonês de Ma (間). Essa é uma palavra que pode ter vários significados, entre eles “intervalo”, “espaço”, “tempo“ ou “distância entre duas partes estruturais”. Essa ideia é muito utilizada em manifestações artísticas como pintura, artes marciais, teatro e literatura. De maneira mais profunda, na linguagem japonesa ela significa um conceito que une “espaço” e “tempo”, num intervalo entre duas ações.
Essa ideia busca uma valorização do que é imaterial, subjetivo e invisível aos olhos e demais sentidos. A música de Joe Hisaishi busca justamente isto: buscar nas pausas e momentos contemplativos dos filmes em que trabalha gerar uma experiência rica, em que aparenta não existir nada. Este espaço “vazio” acaba sendo muito preenchido pela mente de quem ouve e assiste. O “nada” acaba sendo compreendido de diferentes formas, seja como um espaço de possibilidades — que pode ser reescrito —, seja como um respiro necessário no meio de uma série de acontecimentos.
O compositor utiliza um conceito que abarca ideias ambientais e espaciais para criar um universo musical que vai de encontro ao excesso de elementos que encontramos na atualidade. As dinâmicas de Hisaishi vão além do concreto, pois justamente utiliza bem a contemplação, o nada e tudo aquilo que precisa ser compreendido e preenchido pelo público. Uma conversa silenciosa que supera os limites da arte, gerando sensações que pareciam impossíveis de serem expressadas.
Clique AQUI para ouvir One Summer’s Day de Joe Hisaishi
Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.