Por Gustavo de Oliveira

Wilson das Neves compreendia a música de um jeito próprio. Nascido no bairro da Glória, no Rio de Janeiro, em 1934, conviveu com diversas influências desde muito novo. Seja nos cultos de candomblé, seja nas festas promovidas por sua família, que migrou da Bahia, as referências culturais estavam presentes. Isso, por volta dos anos 1940 e 1950, quando os cantos de samba e do partido-alto estavam próximos da modernização com a chegada de um jazz estadunidense. Com essa formação eclética, formou-se um dos maiores bateristas da história da música brasileira.

Essa proximidade com o mundo musical não apenas o enriqueceu tecnicamente, como também fez nascer muito cedo o amor e a paixão pelos sons. Aos 14 anos, começou suas aulas com Edgar Nunes Rocca, o Bituca. Wilson acompanhava seu mestre nos bailes, para ajudar a carregar e montar os instrumentos. Não demorou para que encontrasse sucesso profissional na música, dando seu pontapé inicial na orquestra de Permínio Gonçalves.

Seu trabalho como instrumentista ultrapassou barreiras. Para aqueles que acreditam que quem acompanha os intérpretes são meros coadjuvantes, Wilson das Neves prova que estão muito enganados. O baterista fez parte de um momento extremamente importante para a formação da identidade da música nacional. Foi membro das orquestras da TV Globo e da TV Tupi, acompanhou a pianista Carolina de Menezes e tocou sua bateria em todas as canções do clássico disco Coisas, do mestre Moacir Santos.

Wilson compôs e criou em conjunto com incontáveis nomes, montando um currículo invejável. Elza Soares, Elis Regina, Wilson Simonal, Chico Buarque, Cartola, João Nogueira e diversos outros gênios que foram contemporâneos. Porém, sua relevância não deve ser medida e calculada apenas por essas parcerias.

As décadas de 1960 e 1970 envolveram várias transformações sociais. Sejam pela política nacional-desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, seja pelo início da ditadura militar, que trouxe uma “modernização conservadora” à cultura nacional. Por isso, um debate começava a surgir sobre uma possível descaracterização do samba, graças à importação de gêneros estrangeiros, em especial o jazz. Além, é claro, da forte consolidação da indústria musical do Brasil.

Wilson das Neves lidou com esse momento de forma magistral. Em vez de criar algo que se aproximasse do chamado samba-jazz, o baterista construiu um repertório que remetesse a sua infância e formação carioca. Valorizando suas heranças culturais africanas, encontradas na religião e nos ritmos, ele as mesclou com a bossa nova. Foi, assim, um revolucionário. Fez com que instrumentos interagissem de um jeito nunca antes visto.

Uma nova linguagem do samba foi formada e a cultura afro-brasileira conseguiu uma representação cada vez maior e merecida. Isso tudo acabou dando luz a uma história riquíssima na arte nacional. Wilson das Neves deu valor àquilo que nasce nas interações sociais, no convívio familiar e na lembrança dos ancestrais. O que atinge a essência e faz cada um lembrar de onde veio. Os sons e as vontades de sua infância permaneceram com ele, fazendo mudar tudo que veio depois de seu trabalho.

Quem esquece de onde veio não sabe para onde vai e Wilson sempre soube qual era sua raiz. Fomos presenteados com sua influência, arte e vida. Como diz o rapper Emicida, Wilson das Neves foi um orixá que tivemos a honra de conhecer em vida. E sua música continua a reverberar e nos agraciar hoje e para sempre!


Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.

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