Por Anderson Borges Costa
Qual é a chance de um ator de 12 anos, negro e pobre, em Salvador, fazer sucesso no teatro? E de esse mesmo ator, aos 15 anos, ingressar no importante grupo Bando de Teatro Olodum e começar a fazer figuração em filmes no cinema brasileiro? E de ele, aos 22 anos, contracenar em um filme com uma vencedora do Oscar, a atriz espanhola Penélope Cruz? E qual é a chance de ele se tornar um premiado escritor de livros infantis? E de protagonizar papéis no cinema brasileiro e em novelas da TV Globo? E de ser indicado, por um dos papéis em novelas globais, ao prêmio de Melhor Ator no Emmy Internacional? Pois é, ele conseguiu tudo isso. Já sabe de quem estamos falando? Ele é uma exceção, o eclético e incansável Lázaro Ramos.
No Brasil, a minoria branca e rica impõe ao grande contingente pobre e de pele mais escura uma dominação secular, histórica, injusta e que pouco espaço oferece a quem a ela não pertence. Na ciência, no direito, nas artes: o negro, o pobre que se destaca, é uma exceção. E a maior parte da população brasileira se enquadra nesse perfil de exclusão e preconceito, que silencia enormes talentos que ficam pelo caminho, sem voz. O Brasil branco tem medo de se misturar. O Brasil branco prefere expulsar o negro, que foi forçado a vir para cá em negreiras viagens sem volta. Lázaro Ramos, a exceção excepcional, não satisfeito com o espaço que já conquistou com seu talento, ousou mais uma vez e estreou recentemente na direção de seu primeiro filme: o longa Medida Provisória.
No enredo do filme, o Brasil branco tenta corrigir o equívoco que foi a escravização de negros africanos. Mas a correção não se dá por razões humanitárias e solidárias; é novamente o preconceito que motiva a medida provisória que o branco governo brasileiro aprova no País. O ato do presidente obriga os cidadãos negros a voltarem para a África justamente para que o Brasil, finalmente, deixe de ser um país mulato, mestiço, preto. Para que o Brasil seja um país branco, sem mistura, sem exceções.
O elenco traz a ótima Taís Araújo e os bons e esforçados Seu Jorge e Alfred Enoch. Mas a atuação dos outros atores do filme, de um modo geral, é fraca, os diálogos muitas vezes são artificiais. E a estreia de Lázaro Ramos no cinema é inferior em comparação à qualidade que ele demonstrou nas demais facetas de sua atuação artística. Mas o filme tem uma ideia interessante e merece ser visto, ainda que o argumento pudesse ter sido mais bem trabalhado.
Que a trajetória de Lázaro Ramos seja cada vez menos uma medida provisória, e que o acesso universal à cultura seja a medida permanente de um país que respira em infinitas frentes de batalha. Segure-se no sofá, pois cinema é movimento.
Medida Provisória (Brasil, 2022)
Direção: Lázaro Ramos
Elenco: Taís Araújo (Capitu), Alfred Enoch (Antônio) e Seu Jorge (André)
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Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.