Por Anderson Borges Costa

Uma das características que apresenta o Brasil como um país interessante aos olhos do mundo é o fato de ser um lugar que condensa uma variedade de culturas e de povos que coexistem e que se misturam. Neste canto do planeta, ao longo de cinco séculos juntaram-se, aos nativos e heterogêneos povos indígenas, portugueses colonizadores, africanos escravizados, além de imigrantes asiáticos e europeus. Todos os povos trouxeram um pouco de si para o caldeirão cultural que é o Brasil.

O dramaturgo baiano Dias Gomes é um filhote do caldo cultural brasileiro. Nasceu na Bahia, depois mudou para o Rio de Janeiro, onde consolidou sua carreira. É mais conhecido por ser autor de peças de teatro e de novelas para o rádio e a televisão. Seu maior sucesso foi uma peça teatral depois adaptada para a televisão e para o cinema, tendo vencido a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, na França: O pagador de promessas.

Um bom pagador é aquele que quita suas dívidas. O protagonista da peça, Zé do Burro, é um bom pagador, e seu único objetivo no enredo de Dias Gomes é pagar a promessa que fez à Santa Bárbara. Zé prometeu à santa que se seu melhor amigo, o burro Nicolau, fosse curado de uma ferida na cabeça, ele dividiria suas terras entre os pobres do vilarejo e carregaria uma cruz tão pesada como a de Cristo até a igreja de Santa Bárbara, em Salvador.

Salvador é uma cidade que, como poucas no Brasil, traduz a mistura cultural que forja o nosso país. A herança que portugueses e africanos trouxeram se misturou na música, na língua, na culinária e na religião. A peça O pagador de promessas aborda essa mistura. E nos mostra que o Brasil não sabe lidar muito bem com a diversidade.

A promessa de Zé do Burro era levar a cruz até o altar da igreja. Mas o padre, ao ouvir citações de candomblé no relato de Zé, impede a entrada do fiel e de sua cruz. O padre acusa Zé de ligações com o demônio, pois se associou a religiões africanas. Enquanto Zé tenta convencer o padre de sua fé, a mulher do pagador de promessas é seduzida por um cafetão na praça da igreja. Sentindo-se traído pela mulher e pela Igreja, Zé do Burro, que representa a mistura cultural que constrói o Brasil, carrega nas costas o dilema que tem sido a conciliação das culturas que nos formam.

Ler o texto de Dias Gomes é mergulhar no melancólico samba no qual o Brasil equilibra uma dança manca por não encontrar o parceiro ideal na pista. 

Boas leituras!

O pagador de promessas, Dias Gomes
Editora Bertand Brasil

 

 


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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