Por Anderson Borges Costa

No início do século XX, o autor tcheco Franz Kafka escreveu uma novela sobre um sujeito que, após uma noite de sonhos intranquilos, acorda metamorfoseado em um inseto. Pouco tempo depois, o mundo entra em um conflito absurdo, que ficou conhecido como a Primeira Guerra Mundial. O absurdo da existência humana pautou autores que flertaram com o caos e com o surrealismo, como Kafka. No Brasil, um autor pouco comentado nos deixou um livro que oferece uma narrativa muito interessante, justamente por ser caótica e nonsense. É a novela O púcaro búlgaro, do mineiro Campos de Carvalho.

Você já ouviu falar da Bulgária? Conhece algum búlgaro? Será que esse país existe mesmo? Esse questionamento absurdo é o mote de O púcaro búlgaro, um livro curtinho, que dá para ler um uma sentada. E em várias risadas, já que é uma gargalhada garantida em cada página.

O livro é o diário escrito por um homem chamado Hilário. Você já deve ter percebido que hilário, adjetivo, não é uma coincidência com o nome do protagonista. De fato, a linguagem criada por Campos de Carvalho é toda ela feita em função de trocadilhos, de uma sonoridade que paira sempre acima do próprio sentido das frases. Carvalho não faz questão de que haja lógica e coerência na narrativa; o que importa é que haja trocadilhos entre as palavras, que haja graça entre os personagens, que haja leveza nos absurdos da existência.

A esta altura, você deve estar se perguntando: afinal, qual é o enredo de O púcaro búlgaro? É tão simples como absurdo: Hilário, no final dos anos 1950, está com sua mulher na cidade americana da Filadélfia, onde visita o Museu Histórico e Geográfico. Ali, ele vê um púcaro búlgaro. Você deve estar curioso para saber o que é um púcaro. Na verdade, não interessa, mas é uma palavra que rima com búlgaro. Hilário fica espantadíssimo ao ver um púcaro búlgaro no museu, abandona sua mulher na Filadélfia e decide voltar imediatamente ao Brasil para organizar uma expedição à Bulgária. O objetivo da expedição é comprovar a existência ou não desse país. Faz sentido? Pois é, há cem anos, a novela de Kafka também não tinha a menor lógica. A diferença é que o absurdo de Campos de Carvalho é divertido. Critica o status quo sem precisar nos dar uma noite de sonhos intranquilos. Caso você ainda esteja buscando algum sentido nesta novela, “púcaro” é um vaso com asa, metálico ou de barro, para líquidos. A vida, para você, faz sentido? Você já viu um púcaro búlgaro? Aceita fazer parte dessa expedição literária? Boas leituras!

O púcaro búlgaro, Campos de Carvalho
Editora: Autêntica

 

 

 


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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