Texto | ANDERSON BORGES COSTA
Você se vê hoje de maneira diferente ao que era anos atrás? Mas, mesmo diferente, você percebe que o você de hoje e o você de ontem ainda são a mesma pessoa? Você já se sentiu um desconhecido de si, sem saber qual a rua certa para ir pra casa? A isso chamamos de transformação, que é algo intrínseco e natural à existência do universo e à vida humana. É sobre transformação que trata a cinebiografia do astro Bob Dylan, Um Completo Desconhecido.
O filme começa com a cena de um jovem, o músico, poeta, escritor, pintor, artista múltiplo Robert Allen Zimmerman, conhecido como Bob Dylan, andando sozinho pelas ruas do Greenwich Village, em Nova York. Ele saíra de casa aos 19 anos, no ano de 1961, para encontrar seu novo eu, um eu que ele nem sabia quem era, distante de sua cidade natal, acompanhado apenas de seu violão e de sua gaita. Bob, violão e gaita: uma trindade cristã com que o judeu Bob Dylan converteria milhares de jovens. As letras desconcertantes do jovem Dylan jogavam na cara de uma juventude que eles não precisavam se encaixar em rótulos, que era normal não saber o sentido da vida, que não precisavam ter um endereço fixo para morar. A vida era uma rua habitada por sem-teto.
Com um som de música folk, Bob Dylan fez a cabeça de jovens que viviam em um mundo desordenado, no meio de uma guerra fria, dizendo que as respostas sopravam no vento.
Mas o vento, para apontar uma direção, precisa ser capturado e colocado em um saco biruta. E prender o vento não é a resposta. Por isso, Bob Dylan, desconhecido mesmo para os que achavam que o conheciam, se transformou. De judeu, passou a cristão. E de criador de canções folk em violão acústico, passou a tocar rock em guitarra elétrica. As mesmas canções, mas com outra roupagem; as mesmas letras, com novos acordes, com novos acordos. Um som que rolava como pedras por anos de guerras frias sob temperaturas quentes, com um vento que soprava na gaita da música letras caudalosas que traduziam uma vida de mudanças constantes.
Com uma interpretação marcante do jovem ator Timothée Chalamet como Bob Dylan, Um Completo Desconhecido é um filme, mas pode ser ouvido como uma canção. Ou lido como um longo poema. Afinal, colocar um artista como Bob Dylan dentro de um saco apenas pode ser um ato biruta.
Segure-se no sofá, pois cinema também é movimento. ■
Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown, Estados Unidos, 2024)
Direção: James Mangold
Elenco: Timothée Chalamet, Edward Norton e Monica Barbaro
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Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.
Diagramação | RONALDO CAMPOS
Foto capa | Divulgação
Foto mídia | www.wnycstudios.org/