ROBERTO A. SALMERON
École Polytechnique
Paris|França

Desde 1967, Roberto Salmeron é professor da École Polytechnique em Paris, França, uma das mais importantes escolas de engenharia do mundo. Ele é um pesquisador de bastante destaque em sua área de pesquisa, a física das partículas elementares, como ele mesmo explica: “É o estudo das partículas que constituem a matéria e das leis que regem as forças existentes entre elas em todo o universo”. Foi falando assim de forma clara e  precisa, mesmo sobre os assuntos mais complicados, que Salmeron conquistou o respeito e admiração dos estudantes. “Desde que decidi ser físico, minha opção nunca foi fazer somente pesquisa, mas sim, aliar a pesquisa ao ensino. Não posso conceber pesquisa sem ensino, nem ensino sem pesquisa”.

Começou a dar aulas por necessidade, precisava ajudar no sustento da família, e acabou com isso aprendendo, ainda no curso de Engenharia, a apreciar, nas suas palavras, a beleza da física, o rigor da sua lógica e, sobretudo, a concisão das suas ideias.

Até terminar a faculdade, nunca havia pensado em ser outra coisa além de engenheiro. Salmeron nasceu em São Paulo em 1922, numa família de imigrantes europeus sem recursos. A influência da família na opção profissional é, para ele, fundamental, ainda que muitas pessoas não tenham essa consciência: “A influência se faz sentir nenhuma relação com qualquer meio científico, nem informação sobre o que é o mundo da ciência e do cientista. Meus conhecimentos sobre ciência e sobre cientistas eu os aprendi na escola”. Acrescenta ainda: “Se tivesse havido em minha família noções sobre ciências, sobre o tipo de vida que cientistas levam, provavelmente eu teria me tornado matemático, pois quando terminei o curso ginasial gostava muito de matemática e tinha adquirido uma base muito sólida”.

A sorte, segundo ele, o fez cursar o ginásio num dos melhores colégios de sua época, o Ginásio do Estado de São Paulo, que era, lembra, “Um ambiente de efervescência intelectual”. Ao terminar o curso ginasial e tendo uma ótima base, especialmente em matemática, Salmeron entrou para o curso de Engenharia na Escola Politécnica da USP, onde terminou os cursos de Engenharia Mecânica e Elétrica. Nesta época já tinha interesse na Física, graças aos cursos ministrados por Luiz Cintra do Prado. Além de excelente professor, foi ele que, na opinião de Salmeron, abriu-lhe as portas para a carreira universitária ao convidá-lo para ser seu assistente. “Sem esse convite provavelmente eu jamais teria sido físico”.

Mais tarde sofreu, também, uma grande influência de seu orientador de doutorado, o Professor Patrick Blackett (prêmio Nobel em 1948), que impulsionou sua carreira internacional. Foi ele quem o recomendou ao diretor do CERN, hoje o maior laboratório do mundo em pesquisa fundamental. “Lá, fui contratado por 10 anos, uma das razões pelas quais posso dizer que tive a sorte de estar em bons lugares, nos bons momentos”.

Se a sorte lhe ajudou em algumas horas, sua dedicação, curiosidade e perseverança tiveram papel muito mais importante na sua trajetória. “Aprendi que a curiosidade precisa ser cultivada”. E acrescenta: “Outra qualidade necessária é não enganar a si mesmo, isto é, ter a consciência, ao tentar compreender uma questão, da profundidade na qual se chegou e não se contentar enquanto a questão não for inteiramente compreendida”. Além disso, Salmeron acha que tão importante quanto se manter informado do que está acontecendo no momento, é conhecer a história do assunto. Acha, ainda, que um cientista não pode ficar isolado, é preciso trocar ideias e conversar com colegas, sempre. Cita como a maior vantagem que essa carreira lhe ofereceu, o prazer com o próprio trabalho: “O que mais me fascina na profissão de físico é o desafio intelectual permanente. O desafio está sempre presente, em todas as fases do trabalho e da vida diária, e é o que mantém a curiosidade e o interesse”.

Outra pessoa decisiva em sua vida profissional foi o Professor Gleb Wataghin, nas palavras do próprio Salmeron, um excelente físico teórico e excelente físico experimental, que formou uma geração de brasileiros nesses dois campos da física. Pertenceu àquela última geração de físicos que conheciam toda a física. “Impressionava-me como ele era capaz de abordar qualquer campo da física a qualquer momento, discorrendo, dando uma aula, sem nenhuma preparação prévia”. Apresentado por um amigo em comum, foi com o Professor Wataghin, que Salmeron teve uma conversa, que para ele é um belo exemplo da orientação que um professor pode dar a um aluno:

– Nosso amigo Saraiva disse que o senhor estaria interessado em trabalhar comigo. O senhor sabe que como engenheiro, no seu país, poderá se tornar um homem muito rico?
– Sei, professor.
– E o senhor quer ser físico ?
– Quero tentar, professor.
– O senhor é casado ?
– Não, professor, sou noivo.
– E sua noiva sabe ?
– Sabe, professor.
– E ela está de acordo ?
– Está, professor.

A conversa dava a sensação de que estava-se caminhando para uma catástrofe, quando o Professor Wataghin sorriu e disse: – Ah! Então, vamos falar de física! E continuou: – O senhor poderá trabalhar em raios cósmicos. Estou planejando uma grande experiência, na qual já tenho um assunto para o senhor. Se o senhor se dedicar a raios cósmicos, daqui a algum tempo irá trabalhar em algum laboratório europeu, nos Alpes, naquelas montanhas com neve, com paisagens maravilhosas, que não existem aqui. Além disso, na Europa há muitas conferências de física, onde o senhor poderá encontrar grandes personalidades, Einstein, Fermi, Bohr, Dirac, e verá como esses homens falam de física, como eles pensam.

O professor ficou em silêncio alguns instantes, depois disse: – Sabe, em física a gente não fica rico, mas se diverte muito. Salmeron, então completa: “O professor Wataghin tinha toda razão!”


Esta entrevista é de domínio público. Foi transcrita da coleção Algumas razões para ser um cientista com o objetivo de divulgar, desmistificar e estimular o estudo da ciência, principalmente entre os jovens.

Entrevista | CAROLINA CRONEMBERGER
Diagramação | RONALDO CAMPOS

Foto capa de Guillaume Didelet/Unsplash
Foto mídia de Aaron Burden/Unsplash

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