“Desconfiem de quem quer impor a ordem(*)”

Por Ronaldo Campos

Infelizmente a dialética já teve seus dias de glória. Com a atual polarização na política, em quase todas as sociedades do mundo, a dialética é compreendida como um pensamento comunista — já que Marx (1818-1883) a retratou em vários de seus trabalhos filosóficos. Contudo, a dialética é muito mais que uma divisão política entre direita e esquerda e suas consequentes subdivisões.

A dialética na Grécia antiga (aproximadamente 490-430 a.C.) era a arte do diálogo. Depois passou a ser a arte de, no diálogo, ser capaz de demonstrar uma tese por meio de argumentos fortes e suficientemente consistentes para definir e distinguir com clareza os conceitos envolvidos numa discussão; e, para entendermos como a dialética passou a ser compreendida a partir do século XVIII, teremos que quebrar o recorde de todos os saltos em distância, para sairmos da Grécia antiga e aterrissarmos em Kant (1724-1804).

Ele dizia que mesmo na razão pura, que é anterior a qualquer experiência, sempre haverá contradições, já que elas jamais poderão ser expulsas do pensamento. Mas a grande sacada, antes de Marx, veio de Hegel (1770-1831), que demonstrou que Kant parou nas contradições como sendo uma dimensão essencial da consciência do sujeito. Hegel disse que a questão não estava no conhecimento, e sim no ser que é capaz do conhecimento. O exemplo dado por ele, contra o pensamento de Kant, é: “Se eu pergunto o que é o conhecimento, já na palavra é está em jogo uma certa concepção de ser; a questão do conhecimento, daquilo que o conhecimento é, só pode ser concretamente discutida a partir da questão do ser”.

Talvez um exemplo torne mais claro essa discórdia entre os dois pensadores sobre a dialética. Com a Revolução Francesa (1789), os homens mostraram-se capazes de interferir na ordem social estabelecida (que parecia eterna e imutável) e na Natureza, ou seja, toda realidade natural pode ser transformada pelo homem. Apesar de o resultado da Revolução Francesa não ter atendido às expectativas de Hegel, ele, mesmo assim, pôde perceber que o ser humano transforma ativamente a realidade, mas é a realidade objetiva que impõe o ritmo e as condições ocorridas na transformação iniciada pelo homem.

Com a experiência advinda da Revolução Francesa, Hegel resolve estudar com maior profundidade a realidade objetiva, isto é, aprofundar-se nos estudos da política e da economia. Então, só assim, pôde concluir que o trabalho é o núcleo a partir do qual pode ser compreendida toda e qualquer transformação criadora da atividade humana. Podemos pensar no seguinte exemplo para compreendermos essa transformação a partir do trabalho mencionada por Hegel. Para fazer uma canoa, é necessário cortar uma árvore (a matéria-prima é negada em sua forma natural — deixa de ser árvore para se tornar madeira), que ao mesmo tempo é conservada (aproveita-se a madeira da árvore) e, por fim, a madeira é transformada em canoa, que passa a ter um valor humano.

Nesse momento é que aparece Marx, que concordava com o pensamento de Hegel, mas o criticava dizendo que ele sempre esteve preso ao trabalho abstrato, ao trabalho intelectual do espírito e não valorizava o trabalho braçal. Talvez esteja aí o desespero de muitos que torcem o nariz para Marx, pois só o enxergam como um pensador comunista, isto é, de esquerda. Um pensador que só valoriza o trabalho braçal, a força operária e exclui o trabalho intelectual executado pela burguesia. Mas o que realmente importa é entender que a dialética é a chave para solucionar os problemas que o homem moderno enfrenta.

Neste momento tão conturbado, é importante perceber que toda mudança, todo movimento faz parte da vida e é preciso acompanhá-lo. Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.) assustou seus conterrâneos com a frase: “Um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, porque na segunda vez não será o mesmo homem e nem se banhará no mesmo rio”; a dialética possibilita toda e qualquer mudança e é muito bom saber disso. O importante é ter serenidade e sabedoria para que as mudanças aconteçam em proveito de uma melhor condição de vida para todos. Sem exceção! Neste momento, o que menos importa é discutir se se deve ir em frente ou virar à direita ou à esquerda, e sim entender que mudanças são inevitáveis e que devemos, sem receio, participar delas.

(*)Denis Diderot (1713-1784), considerado um dos maiores filósofos iluministas, escreveu, entre outras obras, O sonho d’Alembert, Suplemento à viagem de Bougainville e O sobrinho de Rameau.

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