Por Anderson Borges Costa

Minha infância e adolescência foram marcadas pela televisão. Estou falando dos anos 1970. A televisão foi muito importante na minha formação intelectual. Foi ela que me apresentou, por exemplo, o universo de Monteiro Lobato. A minha imaginação foi também muito alimentada por séries de ficção americanas, como O Túnel do Tempo, Terra de Gigantes e Perdidos no Espaço. Quem cresceu nessa década carrega consigo para sempre este universo.

Foi, portanto, com nostalgia que assisti agora na Netflix às três temporadas de Perdidos no Espaço. Quem viu a série original (produzida nos anos 1960) vai querer ver a atual. E quem não viu a original pode ter uma pequena ideia das fantasias que passavam pela mente dos cinquentões e sessentões de hoje quando eram jovens.

Já adianto dizendo que, apesar das inúmeras “licenças poéticas” científicas da série em preto e branco que a ciência atual já negou faz tempo, a série original tinha mais apelo do que a recente produção da Netflix. Em tempos de Guerra Fria, um personagem malvado como o Dr. Smith era, na verdade, a personificação de alguém que se opunha aos americanos. Ele foi criado para ser o vilão, o invasor, o desonesto, o egoísta, o antiético, o inescrupuloso: adjetivos que o americano comum associava imediatamente aos comunistas soviéticos. Mas, justamente por se opor à arrogância imperialista americana, o Dr. Smith era um personagem antissistema, que, para o Brasil da ditadura militar, representava uma lufada de ar fresco. Além do mais, nos Estados Unidos, o Dr. Smith era muito identificado com os hippies, que eram contra a Guerra do Vietnã (que os americanos patrocinaram e perderam — no tempo e no espaço).

A versão atual traz pouco da contracultura dos anos 1960. A começar pelo personagem da pouco convincente Parker Posey, que faz a Dra. Smith (sim, na Netflix, o malvado é uma mulher), que não tem o carisma que o ator Jonathan Harris dava ao Dr. Smith. É inegável, porém, que as mulheres têm muito mais voz e força na série da Netflix. A Maureen atual é uma mulher que se impõe com ideias próprias e com conhecimento científico, algo impensável para a subserviente esposa Maureen original. Na Netflix, ela até se separa do marido no início da primeira temporada. As duas filhas atuais (Penny e Judy) são mais ativas e menos coadjuvantes do que as de 50 anos atrás. Acompanham, portanto, as conquistas femininas neste século. Mas acho isso pouco em comparação ao vulcão de imaginação que a Família Robinson (referência ao romance de Daniel Defoe, Robinson Crusoé) original provocou nos jovens há meio século. Além do mais, o personagem atual Don West (Ignacio Serricchio) não tem a mesma simpatia do Major West (Mark Goddard) dos anos 1960.

Apesar de não achar que os jovens que estão sendo apresentados a Perdidos no Espaço agora irão querer revê-la daqui a 50 anos, recomendo esta série para os que querem se perder no tempo neste complicado e agitado ano. Segure-se no sofá, pois cinema é movimento.

Perdidos no Espaço (Original: Lost in Space – 2021)
Direção: Frederick E. O. Toye, Jabbar Raisani e Leslie Hope
Estados Unidos
Elenco: Molly Parker (Maureen Robinson), Toby Stephens (John Robinson), Ignacio Serrichio (Don West), Parker Posey (Dra. Smith), Maxwell Jenkins (Will Robinson), Taylor Russel (Judy Robinson) e Mina Sundwall (Penny Robinson)

Clique AQUI para assistir o trailer oficial


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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