Por Anderson Borges Costa
Chico Buarque pediu ao amigo Gilberto Gil que compusesse uma letra para ele. Ao buscar ideias para a canção, Gil bebia um vinho e colocou o copo sobre a mesa. Havia tomado metade do copo e viu na imagem do vinho já tomado e o vinho ainda por tomar a inspiração para a letra da bela canção “Copo Vazio”. Nela, ouvimos versos como “É sempre bom lembrar/ Que o ar sombrio de um rosto/ Está cheio de um ar vazio/ Vazio daquilo que no ar do copo/ Ocupa um lugar/ É sempre bom lembrar/ Guardar de cor/ Que o ar vazio/ De um rosto sombrio/ Está cheio de dor/ É sempre bom lembrar que um copo vazio/ Está cheio de ar/ Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho/ Que o vinho busca ocupar o lugar da dor/ Que a dor ocupa metade da verdade/ A verdadeira natureza interior”.
Assim como na canção de Gil, é justamente ocupar espaços o tema do romance do escritor brasileiro filho de argentinos Julián Fuks, A ocupação. Ocupar a mente é brincar de esconde-esconde com o ócio. Ocupar a casa pode ser colocar filhos para habitá-la. Ocupar a sociedade pode ser participar, nas ruas, de protestos a favor de mais democracia, mais educação, mais habitação. O romance de Julián Fuks aborda as diversas formas como somos ocupados e invadidos em nossos relacionamentos, no trabalho ou na falta de ocupação.
Narrado em três níveis, A ocupação tem em seu eixo central a invasão do Hotel Cambridge, prédio abandonado no centro de São Paulo e invadido por grupos de sem-teto, muitos deles imigrantes de países como a Síria e a Bolívia. Paralelamente, há a história do difícil relacionamento conjugal do narrador com a esposa, além de sua relação com o pai, que definha no leito de um hospital. O Brasil é silenciosamente ocupado; nós nos ocupamos de abrir espaços nas vidas que invadimos cotidianamente. Com uma linguagem lírica, Julián Fuks nos convida a passear por casas ocupadas, a ocupar a nossa casa, a revisitar a nossa vida. Difícil resistir à leitura desta curta narrativa em uma só sentada. Vale a pena ler este livro tomando uma taça de bom vinho. Boas leituras!
A ocupação, Julián Fuks
Editora Companhia das Letras
136 páginas
Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.