Por Renata De Luca
Novamente assistimos a uma onda de protestos contra o racismo pelo mundo, desencadeada pela morte do americano George Floyd, decorrente da brutalidade de um policial. A frase “Eu não consigo respirar”, capturada por vídeos como a última dita por George enquanto tinha seu pescoço apertado pelo joelho do agente, foi expressa em diversas manifestações para simbolizar a revolta contra o racismo. No Brasil, logo na sequência, a morte do garoto Miguel por cair da cobertura de um prédio em Recife, após ser deixado sozinho no elevador pela patroa da mãe, causou a mesma reação. Mal tínhamos nos recuperado da perda de outra criança, João Pedro, no Rio de Janeiro, após ter a casa da tia atingida por 70 projéteis em uma batida policial. Os três eram negros. Suas mortes foram consequência da ação de pessoas brancas e duvida-se que a mão da justiça pesaria com a mesma força para os acusados se a ação fosse ao contrário.
Não é a primeira vez que a morte de uma pessoa negra desencadeia protestos. Martin Luther King foi assassinado há 51 anos e sua morte provocou dezenas de manifestações pacíficas e outras, nem tanto.
Entre essas mortes existe meio século recheado de outras tantas com aspectos parecidos. Essa forma de racismo evolui muito lentamente nas Américas — fruto do colonialismo, triste herança da escravidão que inexiste na lei, mas ainda se faz presente no tecido social.
Agora, podemos notar algo diferente nesta nova onda de protestos: a presença de jovens de todas as cores conectados pelas redes sociais. Não são mais protestos exclusivos de pessoas negras clamando por direitos civis, mas está lá portando cartazes, camisetas e gritando uma nova geração que pede igualdade e vê na diversidade uma condição favorável. O movimento #Black Lifes Matter existe desde 2013, mas só agora atravessou fronteiras e ganhou apoio fora do ativismo negro. A tecnologia de imagem possibilitada pelas câmeras portáteis e a internet acessível estão diretamente associadas a isso. Sopros de esperança para evoluirmos em algo que já deveria estar superado!
A nova geração tem se mostrado mais receptiva à diversidade e lentamente avançamos na busca pela igualdade de direitos entre as raças, gêneros e deficiências físicas ou sensoriais. Desde o pós-guerra, a Europa discute os benefícios da inclusão social para a formação de uma sociedade mais pluralista e tolerante com as diferenças.
Nas empresas, não poderia ser diferente. No início (e algumas companhias infelizmente estagnaram aí), por força legal, atendendo à obrigatoriedade de ter em seu quadro pessoas com as ditas necessidades especiais. A lei de cotas (Lei Federal 8.213, de 1991) obriga as empresas com mais de cem funcionários a reservarem de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência.
No ano passado, a Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) divulgou uma pesquisa feita com 124 companhias, que, juntas, faturavam o equivalente a 18,3% do PIB brasileiro. Nela, demonstrou que 63% das empresas têm programas de diversidade e inclusão que abrangem: deficiências (96%), identidade de gênero (83%), cor e etnia (78%) e equivalência feminina (74%).
Ou seja, nos últimos 30 anos, a diversidade e a inclusão ganharam força nas empresas, a ponto de já colhermos os frutos de pesquisas que mostram o benefício dessa evolução, como o relatório Accenture (2018), que demonstrou que empresas que fazem adaptações internas para promover a diversidade têm resultados melhores que as outras. Os principais motivos são inovação, reputação, engajamento e produtividade. Pessoas que pensam diferente, estando em um ambiente receptivo, têm mais chances de inovar, e os mesmos jovens que foram para as ruas falar “Eu não consigo respirar” desejam trabalhar em empresas que apostam na diversidade.
Seria romântico dizer que a boa vontade basta, pois sabemos que a inclusão não é natural, nem fácil. Isso se deve ao fato de o homem formar sua identidade por meio do mecanismo do contágio: incorporando de forma rápida, desde a primeira infância, marcas vindas do contato com outros indivíduos, grupos, bens de consumo e cultura. Na nossa identidade, a lógica que impera é a do narcisismo, e procuramos nos relacionar com pessoas parecidas. Nossos amigos são aqueles que gozam a vida de maneira parecida conosco e isso traz o conforto do pertencimento.
Relacionar-se com o diferente exige segurança na própria identidade (para não vê-lo como uma ameaça), evolução e maturidade. Um bom caminho é seguir a recomendação do navegador Amyr Klink; no seu livro Mar sem fim, ele escreve: “Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como é ou pode ser, que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e simplesmente ir ver”.
Bibliografia:
– ÉPOCA NEGÓCIOS (on-line). Quando a diversidade ultrapassa 30%, empresa lucra mais. São Paulo: Globo, fev. 2018.
– KLINK, Amyr. Mar sem fim: 360 graus ao redor da Antártica. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Renata De Luca
E-mail: [email protected]
Diretora de RH da Security Segurança e Serviços, psicóloga (PUC/SP), psicanalista (IP/USP), mestre em Educação (FE/USP) e MBA em Gestão de Pessoas (FGV).