Por Renata De Luca
Uma frase conhecida no jornalismo diz que a versão importa mais que o fato. Fora do métier da notícia, não diria importa, mas que repercute, certamente. A conversa em torno de um ocorrido costuma ecoar em proporção maior que o evento e quando se trata de algo polêmico, a distância aumentará. Basta um grupo, um fato e a linguagem para ocorrer, como observamos nos cafés ou corredores dos ambientes corporativos.
O ser humano é curioso e tem seu comportamento alterado em grupo, sendo capaz de atitudes diversas das realizadas individualmente. Os textos freudianos de psicologia social abordaram essa diferença comportamental do grupo e o poder do líder que o rege. O ensaio “Psicologia das massas e análise do eu”(*), escrito entreguerras (1921) observando o crescimento do nazismo e do fascismo, discute um enfraquecimento das responsabilidades individuais diante de um senso de universalidade do comportamento que influenciaria o coletivo.
Independentemente da razão que une uma multidão, algumas características são comuns, como o empoderamento crescente, a entrega à pulsão, a tendência à homogeneidade motivada pela identificação entre os membros, a diminuição da capacidade crítica, a infantilização comportamental e a propagadora sensação de contágio. Os líderes das massas inspiram sentimentos afetivos ocupando o lugar do objeto amado e por isso sairão melhor se inspirarem força e possuírem habilidades mágicas com as palavras. Um líder populista responde à ansiedade das pessoas e lhes dá a sensação de conforto por se acharem detentoras de verdades exclusivas, fazendo parte de um clube exclusivo. Certamente alguém já tentou lhe convencer a usufruir de algum paraíso e reagiu com genuína pena e incredibilidade mediante sua recusa!
O comportamento nas multidões exacerba o das rodas de conversa, onde mecanismos similares estão presentes e a comunicação possui uma âncora na verdade dos fatos, mas voam longe, num crescente descompromisso com a verdade. As salas de descompressão, os cafés, banheiros e corredores, ou seja, ambientes informais e menos vigiados são os palcos ideais para tais acontecimentos, que quanto mais forem coibidos, mais escorrerão pelas frestas.
Se é natural no grupo humano, como lidar? Seria igual a birra de criança pequena que ainda não internalizou o não, fazendo parte da idade e talvez o melhor seria esperar passar? Não e não. Assim como a birra não cessa sozinha, mas precisa de um adulto orientado que compreende ser natural do desenvolvimento, porém a coíbe com palavras firmes e não atende ao capricho, diminuindo a cada manifestação o barulho, a comunicação que cria asas nos grupos de trabalho precisa de contornos éticos, exemplos das lideranças e retirada dos desagregadores, se essa não for a cultura do local, evidentemente. Se o modus operandi do local for de tolerância à conversa solta e o descompromisso com a verdade, não faz sentido o esforço e as recomendações ficarão apenas no papel, para agradar clientes e servirem como eventual prova judicial.
Agora, se a cultura for de respeito, tolerância e apego ético, a comunicação deverá ser zelada com um enorme esforço para enfrentar mal-entendidos e distorções. Não foi e jamais será fácil, como tudo que não é natural no vicioso ser humano.
(*) Freud, S. Psicologia das massas e análise do eu. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud.
Renata De Luca
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Diretora de RH da Security Segurança e Serviços, psicóloga (PUC/SP), psicanalista (IP/USP), mestre em Educação (FE/USP) e MBA em Gestão de Pessoas (FGV).