Texto | ANDERSON BORGES COSTA

Você já se viu em uma situação na qual não dá para explicar por que recebeu um castigo? E quando uma pessoa é presa sem ter feito nada que justifique a prisão? E se essa pessoa for seu pai, e quando sua mãe vai procurar saber o motivo da prisão do marido, ela também é presa e torturada, sem nenhuma explicação? E se o seu pai nunca mais voltar e seu corpo nunca for encontrado? Essa história distópica, que parece ter saído de um filme de ficção, é real. E aconteceu no Brasil, durante a ditadura militar que se iniciou com o golpe de 1964. E ela está presente, de forma dramática, sem deixar de ser singela, no blockbuster brasileiro Ainda Estou Aqui.

O filme é uma adaptação do livro homônimo e autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, um autor que ficou famoso por sua primeira autobiografia, Feliz ano velho, que também virou filme. Ainda Estou Aqui tem como foco principal a mãe de Marcelo, Eunice Paiva, casada com o político Rubens Paiva, que foi sequestrado e torturado até a morte por agentes da ditadura militar que governou o Brasil por 20 anos. Incansável na luta por saber o que aconteceu com o marido e pela responsabilização dos culpados pela tortura de centenas (há quem conte em milhares) de homens e mulheres que se opunham à ditadura, Eunice Paiva equilibra uma vida de classe média entre o cuidado de cinco filhos pequenos, a retomada de um curso universitário e a luta pelo reconhecimento do assassinato de seu marido e de outros desaparecidos políticos.

Interpretado de forma serena e com a força de um silencioso furacão por Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, o filme traz um Selton Mello bonachão como Rubens Paiva e ainda a surpreendente atuação de Fernanda Montenegro fazendo a Eunice Paiva já mais velha e vítima de Alzheimer. O curioso é que Fernanda Montenegro, nos poucos minutos em que está em cena, não diz nada com palavras, mas diz muito com seu olhar e seus quase sons. Fernanda Torres fala, mas diz muito também com olhares e, principalmente, com silêncios impressionantemente dramáticos.

Ainda Estou Aqui é daqueles filmes que, independentemente do reconhecimento e das premiações no Brasil e no exterior, nos faz refletir sobre o passado e sobre a nossa história. E se, por um lado, nos faz sentir raiva e vergonha de quem nos governou, nos traz um enorme orgulho do cinema que somos capazes de fazer como reação. Segure-se no sofá, pois cinema também é movimento.

Ainda Estou Aqui — Brasil, 2024
Direção: Walter Salles
Elenco: Fernanda Torres, Selton Mello, Fernanda Montenegro

Clique AQUI e assista ao trailer oficial

 

 

 


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

Diagramação | RONALDO CAMPOS
Foto capa: Reprodução/Redes sociais/Bastidores do filme Ainda Estou Aqui

Share: