Por Anderson Borges Costa
Você, caro leitor, já morreu hoje? Já morreu alguma vez na vida? Já morreu em vida? Há quem diga que um gato tem sete vidas, portanto pode morrer quase uma dezena de vezes. A morte é um tema presente na maioria dos enredos que lemos em romances e contos, mas tem um livro que aborda com bom humor e crítica social as mortes de um homem simples, de um brasileiro comum, que tem de conviver com muitas mortes possíveis no dia a dia. É o romance A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, escrito pelo popular autor brasileiro Jorge Amado.
A morte, nesse livro, não é a morte, mas é uma morte. E há mortes e mortes. Aqui a morte é a linha de chegada na vida de um sujeito honesto, o tranquilo funcionário público Joaquim Soares da Cunha, o tal Quincas do título. Ele é um bom marido e um pai amado pelos filhos. Como o título sugere, a narrativa ocorre após a morte de Quincas, fato que, ironicamente, oferece a ele uma espécie de nova vida, pois ele é um morto que, como defunto, insiste em se manter vivo. Pelo menos aos olhos de quem o vê.
Esta talvez seja uma das principais questões levantadas nesse leve romance de Jorge Amado. As aparências que criamos para quem nos vê de fora podem sugerir imagens enganosas, verdades aparentes, que servem para esconder nossas falhas, nossos vícios, nossa falta de escrúpulo. As aparências podem mostrar que estamos vivos mesmo depois de mortos. Quincas morreu, mas seu cadáver parece sorrir. Quincas é um trabalhador honesto, ama a mulher e os filhos, mas decide abandonar o emprego e a família para mergulhar na vadiagem e no álcool. Quincas abandona a vida para abraçar a morte, mas morrer pode ser apenas uma fatia da vida. Quincas, como tantos de nós, como todos nós, talvez esteja morto, mas luta para que aparente estar vivo. Que a morte de Quincas seja um copo de água (ardente?) para regar nosso cotidiano sofrido com uma nova visão de vida. Boas leituras!
A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, Jorge Amado
Editora: Companhia das Letras
Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.