Texto | CHARLES H. TOWNES
Universidade da Califórnia
Berkeley|CA|EUA

Desde que o homem viu a luz do sol pela primeira vez até recentemente, a luz que ele usava vinha principalmente de emissões espontâneas, como emissões aleatórias de fontes incandescentes. Lasers operam sob o princípio de emissão estimulada. Isso significa que a energia liberada por um sistema molecular ou atômico tem a mesma distribuição de campo e de frequências que uma radiação estimulada e, portanto, estão em fase. Este tipo de radiação eletromagnética possui várias utilidades. O feixe fino de luz produzido por muitos lasers mantém sua direção e pequeno tamanho por grandes distâncias. Devido a isso, esse feixe fino de luz coerente é passível de uma grande variedade de aplicações. Como a luz é amplificada por emissão estimulada, o feixe pode ser feito quase com potência indefinida. Os lasers vêm sendo usados nas indústrias para cortar e perfurar metais e outros materiais, e em equipamentos óticos de alta precisão. Em medicina os lasers são usados para cirurgias e podem fazer operações que não são possíveis por outros métodos. A holografia é baseada no fato de que os padrões da frente de onda, capturados numa imagem fotográfica de um objeto iluminado com uma luz de um laser, podem ser reconstruídos para produzir a imagem tridimensional do objeto. Os lasers abriram também novas e diversas avenidas para a pesquisa cientifica, tais como nova instrumentação para uma grande variedade de medidas precisas, o estudo de cristais, reações químicas, física de plasma, temperaturas extremamente baixas e comunicação. Um simples feixe de laser pode, num período curto de tempo, ter mais potência que toda potência elétrica usada na Terra. Um feixe pode também ser tão delicado e preciso que pega e move uma única célula biológica sem destruí-la. Eu aproveitarei esta ocasião para contar o meu papel na invenção do laser e, usando isso como exemplo, brevemente refletir sobre o papel da ciência.

Quando era aluno, eu me interessava por uma variedade de coisas: história natural e biologia, natação, edição de jornais, futebol, isso somente para exemplificar. Meu interesse em física por fim venceu. Eu fiquei fascinado pela física desde o meu primeiro curso no assunto devido a sua bela estrutura lógica. Minha educação formal foi então completada com um Ph.D. no Caltech em separação de isótopos e spins nucleares.

Então trabalhei extensivamente durante a segunda guerra mundial com design de navegação por radar e sistemas de bombardeio, e tecnologias relacionadas, como membro do corpo técnico do laboratório de telefonia Bell. Desde então, eu direcionei minha atenção para a aplicação de técnicas de micro-ondas em espectroscopia, que antevi ser uma poderosa ferramenta para o estudo da estrutura dos átomos e moléculas e como uma possível nova base para controle de ondas eletromagnéticas. Essa evolução e conexão aconteceram de forma natural.

Eu continuei minha pesquisa como professor na Universidade de Columbia.  Particularmente focando o estudo de interações entre micro-ondas e moléculas, e usando o espectro das micro-ondas para o estudo da estrutura das moléculas, átomos e núcleos. Em 1951, eu concebi a ideia de amplificação e geração de ondas eletromagnéticas por emissão estimulada e alguns meses depois meus colaboradores e eu começamos a trabalhar num dispositivo que ficou pronto somente três anos depois. Meus alunos e eu batizamos de “maser” que é o acrônimo de Microwave Amplification by Stimulated Emission of Radiation (Amplificação de Micro-ondas por Emissão Estimulada de Radiação). Em 1958, meu cunhado, Arthur Schawlow, e eu mostramos teoricamente que os masers podiam ser feitos para operar nas regiões ótica e do infravermelho e propomos como isso poderia ser alcançado em alguns sistemas particulares. Esse trabalho resultou em nosso artigo sobre maser óticos e infravermelhos, ou lasers (Amplificação da Luz por Emissão Estimulada de Radiação). O restante, como dizem, é história.

Meu interesse nos campos da eletrônica quântica e na astronomia continuou no MIT e também mais tarde na Universidade da Califórnia em Berkeley, e ainda servem de base para minhas atividades. Existe alguma verdade na ideia de que em ciência contribuições individuais de grande significância são possíveis. De fato, a invenção dos lasers ilustra bem essa ideia. Contudo, a possibilidade de aplicações do laser não poderia ser antevista por ninguém na época de sua invenção e não poderia ter ocorrido através dos esforços de um único indivíduo. Em geral, o desenvolvimento da ciência em larga escala é basicamente um fenômeno social, dependente do trabalho duro e suporte mútuo de vários cientistas e da sociedade em que eles vivem. Os cientistas realmente se apoiam nos
ombros dos gigantes do passado. Ninguém pode realmente fazer parte do esforço científico se não apreciar os resultados mais emocionantes e cumulativos dessa grande interação e de muitas contribuições individuais à ciência. Nem pode qualquer cientista ser realmente parte de seu mundo sem se perguntar se, de algum modo, as atividades humanas em geral podem se beneficiar desses resultados cumulativos se uma porção ainda maior dos esforços humanos, como na ciência, puder ser direcionada para se somar e apoiar mutuamente. Nossa natureza é obviamente mais severamente sobrecarregada em campos não científicos a fim de poder reconhecer os objetivos humanos primordiais e tentar alcançá-los objetivamente. Nesses campos nós dificilmente temos resultados experimentais bem definidos para nos colocar no caminho certo quando erramos. Mas a imposição do edifício da ciência nos fornece uma visão desafiadora do que podemos alcançar pela acumulação de pequenos esforços numa firme, objetiva e dedicada busca da verdade.

Os lasers ilustram um outro aspecto da descoberta e da invenção científicas. Muitas de suas aplicações foram extraordinariamente benéficas aos seres humanos, outras nem tanto. O medo de que a ciência possa, às vezes, ser usada para fins destrutivos não pode ser razão descartá-la. Descartá-la significa também descartar seu vasto potencial para o enriquecimento da vida humana e para o alívio do sofrimento humano. Enquanto a mente humana for curiosa, ela será capaz de ter novas idéias e inventar novos dispositivos. Nosso progresso depende de nossa habilidade de lidar bem com essa característica de nossa espécie.


Este artigo é de domínio público. Foi transcrito da coleção Algumas razões para ser um cientista com o objetivo de divulgar, desmistificar e estimular o estudo da ciência, principalmente entre os jovens.

Tradução | DIOGO DE OLIVEIRA SOARES PINTO
Diagramação | RONALDO CAMPOS

Foto capa de Noah Buscher/Unsplash
Foto mídia de M.M./Unsplash

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