Por Anderson Borges Costa
Você é do tipo que prefere o calor das praias ou o friozinho das montanhas? O Brasil é um país para muitos gostos: o sol de Fortaleza, as chuvas diárias no Amazonas e a correria pulsante em São Paulo. Vivemos em um país tropical, mas é abaixo dos trópicos, ainda dentro do Brasil, que se localiza Curitiba, a nossa capital mais fria. No inverno curitibano, as temperaturas ficam próximas de zero grau. Por isso, Curitiba tem estações mais definidas, tem uma estabilidade previsível, tem um equilíbrio que não se vê na maioria das cidades e dos estados do Brasil. No entanto, é desse local previsível e cartesiano que estreia na literatura brasileira um jovem escritor que em nada se encaixa na organização que imaginamos existir na capital do Paraná. Acaba de ser lançado o incomodativo livro de contos A poeta & outros eus, de João Alexandre.
O contista João Alexandre esparrama as palavras pela página aparentemente sem pensar, abrindo a porta para que elas entrem em sete contos do jeito que são, sem se arrumarem. Em A poeta & outros eus, as palavras parecem estar despenteadas, com barba por fazer, sem banho, com o hálito amanhecido depois de noites boêmias e tragos em copos e em cigarros, todos os cigarros, ao som das cigarras. No entanto, este é o estilo do jovem e promissor contista de Curitiba: uma prosa pensada para ser espontânea, sem limites, beat, contra a cultura da escrita positivista e careta. Justamente por isso, ela cativa.
Se você espera ler um livro com personagens frios, irá se aquecer. Se espera ler histórias limpas, irá se sujar. Toalhas e guardanapos podem ser acessórios relevantes durante a leitura de A poeta & outros eus — uma obra anticuritibana. Os contos deste livro são sete goles em um gelado copo de cerveja.
Em um dos contos, lemos a história de um rapaz que vai ao lançamento do livro de seu amigo. O evento ocorre em um bar, que recebe os convidados para o coquetel e para a festa. Só que tem um detalhe: o bar só tem um banheiro. E a comida servida está estragada. Dá para imaginar o que vai acontecer?
Em outro conto, um garoto de 13 anos tenta comprar uma revista Playboy, mas é barrado no caixa. Tem o conto no qual um músico adolescente se aninha com uma bela garota no segundo andar de uma casa em construção. Ele a satisfaz, mas a menina se recusa a terminar a brincadeira com o músico. Como ele vai reagir?
Tem um conto no qual um grupo de jovens músicos decide morar junto em uma casa. E para decorar o ambiente, colocam um retrato do grande músico João Gilberto, bem na parede do banheiro. Após algum tempo, o músico no retrato parece ganhar vida própria: toca violão, canta e se mexe. Será que o leitor está se embriagando com a cerveja contida nos contos? Você teria coragem de fazer xixi nesse banheiro?
Os contos de A poeta & outros eus são intrigantes, estranhos, com diuréticas palavras, palavrinhas e palavrões. Nada em vão. Tudo escrito no vão das possibilidades de uma cidade fria em que os habitantes buscam um motivo para viver em bebidas, filmes, músicas, sexo, amor, em cemitérios de contos dos eus que habitam o gelado poema que traduz Curitiba. João Alexandre faz uma impactante estreia. Para quem busca ser chacoalhado por histórias em uma cidade correta e careta, taí uma boa sugestão.
Mas e a poeta do título de um livro de contos? Esta, você só vai descobrir no momento em que o eu é único e solitário. A Curitiba de João Alexandre é uma cidade gelada. É um gelado e instável copo de cerveja que aquece o inverno.
Boas leituras!
A poeta & outros eus, de João Alexandre
Editora Urutau
Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.