Texto | ANDERSON BORGES COSTA
Você já imaginou o que seria de você sem a sua memória? O esquecimento de quem você foi, do que fez, quem amou, o que aprendeu, onde nasceu. O escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do Nobel de Literatura, achava que uma pessoa sem memória não era um ser vivo. Ironicamente, García Márquez conviveu, em seus últimos anos de vida, com uma demência, que, aos poucos, o afastou da lucidez. Enquanto ainda tinha alguma consciência, ele escreveu o sensual romance Em agosto nos vemos, publicado postumamente. Mas um escritor sem total lucidez ainda escreve como um vencedor do prêmio Nobel?
Em agosto nos vemos nos oferece a história da sensível Ana Magdalena Bach, uma mulher de 46 anos, amante dos livros e das artes, casada com um homem bonito, diretor do Conservatório Musical, com quem tem dois filhos, ambos músicos e atraentes. A morte da mãe de Ana faz com que ela passe a ter o hábito de visitar seu túmulo, uma vez por ano, no mês de agosto, em uma afastada ilha onde está enterrada.
Todo ano ela se desloca até a ilha, um lugar vazio e sem nenhum atrativo, se hospeda em um hotel simples e coloca flores no túmulo da mãe. Mas no oitavo aniversário da morte da mãe, na ilha onde está enterrada, Ana, no bar do hotel onde se hospeda, conhece um homem, o seduz e o leva a seu quarto. O casamento feliz e a família estruturada são postos em xeque naquele agosto. Ela, ao ver a mãe morta, ganha novas cores em sua vida. Seus dias ganham uma expectativa, ganham uma possibilidade, ganham uma juventude. E os meses do ano ganham sempre a vontade de que chegue agosto, que traz um novo gosto a Ana. Um agosto traz a ela um novo homem na ilha, uma nova noite de aventuras, um ar de possibilidades a seu coração. Quem será que Ana vai ver no próximo agosto?
Gabriel García Márquez não viveu até agosto para ver seu livro publicado. Ele mal terminou o livro. Mas seus filhos lhe deram de presente a publicação póstuma de uma história cheia de memórias, sem muita lucidez, mas com muita vida. Em agosto nos vemos é uma lembrança do que poderíamos ter sido. Boas leituras!
Em agosto nos vemos, de Gabriel García Márquez
Tradução: Eric Nepomuceno
Editora Record
Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.
Diagramação | RONALDO CAMPOS
Foto: Steve Pyke (Penguin Random House)
Mercedes Barcha Pardo e Gabriel García Márquez em Los Angeles, em 2008.