Por Anderson Borges Costa

Esta é uma coluna sobre literatura. Mas pode ser também uma coluna sobre estratégia militar. Afinal, o que a literatura e o exército têm em comum?

Quando não concordamos com algo que vem sendo considerado o modelo a ser seguido, podemos propor novos modelos. A novidade é a condição daquilo que aparece pela primeira vez. A novidade é um chacoalhão, um solavanco, um terremoto.

Estar na vanguarda é estar na primeira linha de um exército em ordem de batalha. Estar na vanguarda é estar na dianteira. Nas artes em geral, estar na vanguarda é se colocar culturalmente à frente do seu tempo, rompendo com a concepção artística vigente. Há 100 anos, um grupo de artistas brasileiros, no Teatro Municipal de São Paulo, montou um exército para chacoalhar a música, a arquitetura, a pintura e as artes em três dias de fevereiro de 1922, que ficaram conhecidos como a Semana de Arte Moderna. Como esta é uma coluna sobre livros, vamos nos ater ao terremoto modernista que abalou as estruturas de versos e palavras em histórias escritas.

Os soldados-escritores do Modernismo eram capitaneados pelos poetas Mário de Andrade e Oswald de Andrade, que trouxeram como arma uma proposta estética de liberdade. A liberdade era a vanguarda. A liberdade era, na literatura, a abolição das rimas nos poemas, a abolição do soneto, era a possibilidade de se considerar como arte de alta qualidade o simples, o popular, o caipira, o mulato, o sertanejo. A liberdade era a representação literária de uma identidade genuinamente brasileira.

Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal, no centro da cidade de São Paulo, foi palco de uma batalha na qual escritores dispararam versos livres e colocaram a linguagem “errada” do povo no centro das histórias escritas. A plateia, composta de muita gente conservadora e contrária a mudanças, reagiu atirando ao palco algumas vaias: os jovens artistas propunham mudanças; o feio passou a ser valorizado. Na guerra da vanguarda contra a tradição ganhou a literatura: pois modernista s e não modernistas mostraram que é possível fazer bons poemas e boas narrativas com rimas, com ricos, com pobres, com cobras e cobres que cobrem histórias que contamos e lemos há exatos 100 anos.

No centenário da Semana de Arte Moderna, a melhor estratégia é sair correndo da leitura deste artigo para a leitura dos textos que são as pegadas do Modernismo no Brasil: romances como Macunaíma e Memórias sentimentais de João Miramar ou poemas de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade são um tiro certo dado por uma vanguarda que até hoje guarda um cheiro de novo e, portanto, choca. Leia os modernistas e proteja-se dos tiros disparados de suas páginas centenárias. Afinal, o velho também tem cheiro de novo. A Semana de Arte Moderna é um velho general que ainda quer ser aspirante a revolucionário.

Na batalha do tempo, 100 anos foram ontem. A vanguarda é uma ampulheta, que renova o tempo a cada segundo. Aquela semana foi um terremoto cujos abalos sísmicos ondulam há 100 anos. Sem anos de solidão. Leia os clássicos velhos e os clássicos que se renovam a cada página. Na guerra dos livros, o leitor é sempre um vencedor. Boas leituras!


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas e professor de Inglês no curso Cellep. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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