Por Arthur Meucci e Flávio Tonnetti

É preciso olhar para o céu como fazem as crianças: imaginar no céu a imensidão azul do mar. Num mergulho, entregues nesta fantasia, a praia fica de ponta-cabeça. E nos vemos num oceano, aéreos de nós mesmos. As nuvens viram ilhas, em que apoiamos a vida. Existência que toma forma na fantasia da lembrança. E a memória desperta: nuvens formam bocas que desejávamos beijar. Amores frustados se transformam em conchinhas sobre a areia, que colecionávamos com nossas mães em nossas viagens de férias. E quando a brisa sopra, as nuvens se fundem com outras, dão novas imagens: um belo carrinho de brinquedos aparece, figura de um automóvel que desejamos comprar.

Nas nuvens cinzas há cicatrizes: uma face da avó falecida. Rostos que aos poucos se desfazem: imagem de algodão a esgarçar-se ou pão, destroçado: lembranças das necessidades que enfrentei. Raios a invocar surras e tropeços. Medos nas memórias.

Quando olho para o horizonte vejo os desafios da vida. QUando olho para cima enxergo o passado a apresentar-se, ainda que oculto, ou dissipado, pelos ventos. Num mar dos céus, vejo as reverberações do que é antigo conduzindo a existência. No céu dos homens a inexistência do vivido se faz horizonte. Há esperança num futuro, nas montanhas do porvir.

O que foi vivido não morre inteiramente.


Miniensaios de Filosofia, volume: Amor, Existência & Morte, cap. VIII, editora Vozes, 2013.

Arthur Meucci
Bacharel, Licenciado Pleno e mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo, doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Extensão em Filosofia do Cinema pelo COGEAE/PUC. Possuí formação em Psicanálise; Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Flávio Tonnetti
Bacharel e mestre em Filosofia pela USP, doutor em Educação pela mesma instituição, com tese sobre educação e tecnologia.
Professor da Universidade Federal de Viçosa.
contato: [email protected]

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