Por Anderson Borges Costa

Você acha que é justo professores, médicos, engenheiros, faxineiros, policiais ou bancários fazerem greve por melhores salários e melhores condições de trabalho? E o que você acha de a morte fazer greve? Achou estranho? Pois é, essa estranha proposta é o tema do romance As intermitências da morte, do autor português José Saramago, o único escritor em língua portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura.

Neste livro, Saramago mantém seu estilo ágil, com uma pontuação que subverte regras gramaticais para dar força e agilidade à narrativa. E, aqui, a narrativa corre contra o tempo, que é limitado, como são limitadas as páginas do livro: sabe-se que haverá uma página final, uma linha final, um ponto final.

Personificada na bela, jovem e sedutora figura de uma mulher de menos de 40 anos, a morte, sensível e exigente, decide cruzar os braços e entrar em greve. A princípio, isso é encarado como algo positivo; afinal, o caminho para a imortalidade e o elixir da juventude são uma utopia que norteia nossos instintos desde o início dos tempos. Porém, bastam algumas páginas para Saramago nos mostrar que o que parece interessante é motivo de preocupação. A morte é, ironicamente, presença essencial em nossas vidas.

Ateu, materialista e comunista, Saramago questiona no romance a existência de deus (propositalmente grafado como substantivo comum, em letra minúscula), já que a ausência da morte corresponde à ausência de Deus. O que nos leva à seguinte reflexão: Deus é vida ou é morte?

Se tomarmos por base a imagem da lagarta, que Saramago utiliza nesse livro, descrevendo o momento de sua morte como o início da vida da borboleta, não parece ser um exagero metafísico afirmar que a morte é também uma espécie de transformação da vida. E que suspender a morte é congelar a vida. E, no estado de suspensão em que a vida se encontra, de fora, a morte nos observa como um big brother, parada, apenas esperando o momento de dar o bote. Em greve ou na ativa, a morte, no livro de Saramago, nos lembra que, querendo ou não, ela existe nas nossas vidas.

Boas leituras!

As intermitências da morte, José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Prêmio Nobel de Literatura
Romance
Publicação: 2005

 


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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