Por Arthur Meucci e Flávio Tonnetti

A justiça é o fracasso da ética. Precisamos recorrer à justiça porque nem sempre somos capazes de agir eticamente. Num mundo em que a conduta ética é predominante não há litígio: a compreensão mútua é a moeda de troca, e o agir é guiado por um bom-senso universal, uma razão imperativa que faz com que todos se respeitem em suas múltiplas experiências de encontro com o outro. Se todos se baseiam sobre a justa ação, não há desavença a ser corrigida, não há excesso ou pecado. De modo que os tribunais se tornariam dispensáveis.

Se não é preciso tribunal, não são necessárias as leis — já que estão assentadas na dificuldade que o indivíduo tem de seguir condutas autodeterminadas ou de se enquadrar às regras estabelecidas pelo grupo social do qual faz parte. O próprio Estado, como detentor do poder de elaboração das leis e normas, constuiu-se sobre a ideia de fracasso do indivíduo, sobre sua incapacidade de agir eticamente em cem por cento das vezes em que atue sobre o mundo.

Somente invocamos a justiça quando percebemos a injustiça por perto, a nos rondar. Para que seja realizada a justiça é preciso prever esta falência, este abuso de um sobre o outro, esta fragilidade, esta incoerência da razão no curso da ação, esta desgraça congênita que é a marca da condição humana: realizar a justiça é prever um crime.


Miniensaios de Filosofia, volume: Ética, Medo & Esperança, cap. X, editora Vozes, 2013.

Arthur Meucci
Bacharel, Licenciado Pleno e mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo, doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Extensão em Filosofia do Cinema pelo COGEAE/PUC. Possuí formação em Psicanálise; Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Flávio Tonnetti
Bacharel e mestre em Filosofia pela USP, doutor em Educação pela mesma instituição, com tese sobre educação e tecnologia.
Professor da Universidade Federal de Viçosa.
contato: [email protected]

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