Por Camila Barreto
“E um ano inteiro dobrou suas asas na sombra de uma única noite!”
(Lamartine)
Chegamos ao fim de 2022. Nessa época de fim de ano, uma mistura de sensações nos atravessa, pois encaramos de forma um pouco mais consciente o passado e o futuro. É claro que sabemos que o tempo corre, ainda que muitos de nós — eu mesma, inclusive — tenham sido pegos de surpresa pelas decorações de Natal nas ruas e tenham assimilado em genuíno susto que “o ano já acabou!”. A passagem do tempo não nos é implícita, só um pouco indiferente.
Há quem diga que é só uma mudança no calendário, só mais uma volta da Terra ao redor do Sol. Isso não deixa de ser verdade, e também não faz desse evento algo menos intrigante. A meia-noite marca ao mesmo tempo o fim e o começo de um ano, como marca diariamente o fim e o começo de um dia, ainda que nem sempre haja um claro vestígio dessa mudança.
O fato é que muda, e que abraçamos essa transformação de forma ativa, como uma chance de renovação não só do ano ou do calendário, mas também de nós mesmos. Esse é um daqueles momentos em que vemos essa mudança como um universo de novas possibilidades, como uma expectativa de revolução. É quase impossível não ter aquela sensação boa ao saber que se pode recomeçar.
Sim, nós podemos recomeçar. Ainda que as nossas promessas para este ano que passou não tenham dado certo, ainda que não tenhamos atingido todas aquelas metas, muitas vezes hiperprodutivas e opressoras, que estabelecemos no começo do ano, nós podemos recomeçar. Podemos estabelecer novas metas, fazer novos planos, recalibrar e mudar as rotas, porque o ano novo é também uma ótima desculpa para revolucionar.
Foi um ano intenso. Voltamos a ocupar mais espaços depois de duros anos de pandemia, isolamento e caos. Pudemos ver os rostos das pessoas nas ruas mais uma vez graças à vacinação. Passamos por um período eleitoral intenso, perdemos o hexa de um jeito meio estranho. O nosso olhar ao passado pode ser saudoso, assustado, repleto de carinho e saudade, talvez até com um pouco de frustração. Mas ao passado o que é do passado.
A única certeza consoladora é a inconstância: tudo muda! Seja de hoje para amanhã, de 2022 para 2023, com ou sem queima de fogos. Em seu poema intitulado “Ano Novo”, Fernando Pessoa começa dizendo que é uma “ficção que começa alguma coisa!”, pois “nada começa: tudo continua”. Até mesmo essa continuação não consegue escapar da máxima de Heráclito, pai do pensamento dialético, de que tudo flui, e que jamais será possível banhar-se duas vezes no mesmo rio, já que nem suas águas nem nós somos os mesmos.
Tudo flui. Longe de qualquer romantização acerca do futuro, mas sempre é preciso ter esperança de que podemos fazer melhor, de que podemos realizar, de que podemos, sim, revolucionar. Como mudamos nesse ano que passou, como lutamos e conquistamos coisas novas, como somos revoluções constantes dentro de nós mesmos.
Não cabe aqui um epitáfio de 2022 ou uma lista de desejos para 2023. Que o tempo corra e que sejamos capazes de aproveitá-lo. Que as coisas fluam, que o futuro melhor enfim chegue. Vamos deixar mudar.
Camila Barreto foi vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.