Por Anderson Borges Costa
 
Um filme feio e triste. Sem cores, em preto e branco. Um filme feito em um país no qual a democracia foi atacada, os direitos humanos foram rasgados, as opiniões foram censuradas. Um filme feito com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Um filme simples, mas denso, de tão complexo. Um paradoxo: uma história que não define um lado. Um filme que desagrada a todos. Por tudo isso, Terra em Transe, do diretor baiano Glauber Rocha, merece ser tema deste Cine Sofá.

Terra em Transe e Glauber Rocha são representantes de um movimento cinematográfico brasileiro que ficou conhecido como Cinema Novo. Ele surge como reação ao cinema que fazia sucesso no Brasil no final dos anos 1950, com comédias, musicais e histórias épicas no estilo de Hollywood, geralmente financiadas com recursos de produtoras estrangeiras. O Cinema Novo propõe um olhar para o Brasil, mas não o Brasil que o turista se acostumou a ver, com praias, mulheres lindas e paisagens naturais deslumbrantes. O Cinema Novo é a imagem do Brasil profundo, com suas profundas injustiças sociais.

Terra em Transe é uma narrativa lenta para quem está acostumado com o cinema do século XXI. Mas Martin Scorsese adorou. A história se passa em um país fictício, Eldorado, mas, logo nas primeiras cenas, percebe-se que é uma metáfora para o Brasil. Assistir a Terra em Transe não é assistir a um filme; é assistir a uma ideia. A democracia na narrativa de Glauber Rocha é uma ironia com uma câmera na mão.
 
A palavra “democracia”, do grego, significa governo do povo. O povo, em Terra em Transe, é feito de figurantes que não têm voz. Na única cena em que é dada ao povo a oportunidade de falar, o protagonista branco e macho (Jardel Filho, em uma interpretação excelente) tapa a boca do pobre sujeito que seria o porta-voz dos desprovidos. Terra em Transe é um filme do Terceiro Mundo. Além do sofrimento, cabe ao povo também o silêncio. As mulheres são apenas figurantes. Reduzidas ao erotismo, as personagens femininas também são silenciadas.

Produzido em 1967, durante a ditadura militar no Brasil, Terra em Transe define Eldorado como uma república de bananas, corrupta, machista, violenta e inescrupulosa. Glauber Rocha atirou para todos os lados: direita, centro e esquerda. Glauber é um provocador. É impossível sair indiferente após assistir a este filme. Segure-se no sofá, pois cinema é movimento.

Terra em Transe (Brasil, 1967)
Filme de 1967 em HD. Completo!
Gênero:
Drama
Direção:
Glauber Rocha
Elenco:
Jardel Filho, Paulo Autran, José Lewgoy
Clique aqui para assistir no YouTube

 

 


Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.

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