Por Camila Barreto

A palavra “pixação”, escrita assim, com “x”, é uma palavra cunhada no português brasileiro, uma subversão da palavra “pichação”. O pixo é um movimento subversivo, de protesto e resistência em resposta à desigualdade social, que não é só econômica, mas também cultural e espacial. Em uma sociedade na qual o poder de fala está restrito àqueles que detêm o poder aquisitivo, em uma cidade onde a periferia tem dificuldade de usufruir e participar dos espaços culturais, a pixação dá voz aos invisíveis e reocupa o espaço urbano.

A organização geográfica de grandes metrópoles como a cidade de São Paulo constitui uma segregação socioespacial, que está ligada a processos econômicos estruturais que marginalizam a camada mais pobre da população, dificultando seu acesso aos centros, onde circula o capital financeiro e cultural.

A pixação opera como uma intervenção estética que está intimamente ligada à possibilidade de expressão e reapropriação espacial. A cidade se torna o suporte, é como se os muros e os prédios fossem uma grande tela. A escrita que, a princípio, se inspira em álbuns de rock e em runas antigas, brinca com a língua e a transforma. Assim, linguagem e arte passam a tomar as mais diversas superfícies da metrópole.

A intenção dessa intervenção é, também, obter visibilidade, ser visto e ouvido. Quando um pixador coloca a sua tag, ou seja, a sua inscrição nos muros da cidade, ele não só exerce o seu direito de expressão, mas também verbaliza a sua insatisfação social, e ele o faz por meio do ataque, do que é considerado pela sociedade como uma danificação, uma transgressão. Surge então a pergunta feita pelo fotógrafo Adriano Choque, no documentário Pixo (2010): “Que sociedade é essa que forma uma geração inteira de jovens que precisa se expressar através da destruição?”.

Além de contestar a ideia de espaço público e privado, a pixação extrapola os limites das favelas e alcança os centros da cidade. O pixo opera como uma reapropriação dessas áreas, pois já que a cidade é negada ao pixador, ele reivindica o espaço público por meio deste artifício artístico. Isso é o que pixador e ativista Cripta Djan chama de retomada simbólica da cidade.

As enormes inscrições no topo dos prédios também indicam o valor da performance dessa atividade. Os pixadores se arriscam, e quanto maior e mais alto o pixo, mais prestígio. Trata-se de uma manifestação efêmera, perigosa, que é também uma forma de lazer e de expressão da população periférica. É uma comunicação que ocorre dentro do movimento e que implica, ainda, um circuito criativo.

Como bem pontuou Andrea Giunta, historiadora de arte e pesquisadora da Universidade do Texas, “a pixação é a utopia da vanguarda”. O discurso é subversivo, é um protesto, um ataque ao sistema. O pixo não tem a intenção de ser pop ou de ser aceito pela sociedade, uma vez que sua essência é a radicalização, a transgressão autêntica, a manifestação legítima. A pixação é a arte da revolta e da revolução, é a síntese do processo urbano, a resistência daqueles que não aceitam ser silenciados. O pixo resiste. A voz e a arte da periferia resistem.

Fotos de pixos na cidade de São Paulo:


Camila Barreto foi vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Share: