Por Camila Barreto

Pode ser que a leitura não mude, de fato, o mundo como um todo, mas ela certamente muda o cérebro e o mundo de quem lê. O ato de se desligar do ambiente exterior e embarcar numa narrativa nova nos transporta para este novo universo: o universo do outro, que nos conta uma história. É como um pacto, no qual o leitor aceita embarcar no que lhe é oferecido naquelas linhas.

Ler também aguça a nossa curiosidade, a nossa empatia, exercita o nosso cérebro de múltiplas formas e nos permite experimentar um mundo de possibilidades novas para além da imaginação. Além disso, a leitura profunda e consistente ajuda a regular os níveis de estresse e promove, ainda, um aumento da qualidade de vida.

Surpreendentemente — ou não —, o ato de ler não é algo natural do nosso cérebro. Enquanto a linguagem pode ser desenvolvida naturalmente por meio de estímulos externos, o processo de decodificar um código linguístico por intermédio da leitura demanda uma aprendizagem mais elaborada.

Isso porque ler não significa exatamente entender aquilo que está sendo lido, já que, segundo José Morais, psicolinguista e professor emérito da Universidade Livre de Bruxelas, o fato de a leitura ser a transformação de um código escrito implica que para executar essa tarefa não basta que saibamos transformar esse código — é preciso, ainda, que saibamos o que esse código transformado significa no seu contexto. Assim, o processo de alfabetização é muito mais complexo e sofisticadamente desenvolvido do que pensamos.

É fato que a leitura impacta a nossa comunicação de maneira geral, uma vez que somos expostos a um novo vocabulário, a uma nova organização e exposição de ideias. Desse modo, a aquisição e a prática da leitura modificam as respostas do cérebro associadas à linguagem falada, porque a parte do cérebro responsável pela leitura fica próximo à região responsável pela linguagem.

Hoje em dia, podemos dizer que a nossa relação com a leitura mudou muito — e adivinha? — graças à nossa exposição às redes sociais e ao mundo digital. Nunca antes na história decodificamos tantos códigos escritos tão rapidamente como nos dias de hoje. Todavia, essa leitura não é capaz de mudar efetivamente o nosso cérebro, ou, pelo menos, de manter as mudanças obtidas.

A reportagem “O que é a leitura profunda e por que ela faz bem para o cérebro”, da BBC News Brasil, publicada em 2021, aborda como a leitura na era da internet e das redes sociais tem se tornado cada vez mais rápida e superficial. Consequentemente, as mudanças cerebrais que a leitura propicia acabam se tornando, também, efêmeras, uma vez que as novas conexões proporcionadas pelas novas informações adquiridas se perdem por conta da superficialidade da leitura no mundo digital.

E, ao passo que lemos cada vez mais conteúdos na internet, temos lido menos livros. Os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2020 pelo Instituto Pró-Livro (IPL), Itaú Cultural e Ibope Inteligência, entre 2015 e 2019, mostram que houve uma queda de 4,3 milhões de leitores no país.

Seja o livro físico de capa dura, seja o PDF do livro baixado na internet, seja um artigo como este e tantos outros disponíveis on-line, a leitura sempre pode agregar algo a nossas vidas. Reservar um tempo dos nossos dias corridos para ler e transformar isso em um hábito consistente pode, sim, transformar positivamente o nosso cérebro e até mesmo, quem sabe, o mundo em que vivemos.


Camila Barreto foi a vencedora do Projeto Escrita 2019. Atualmente estuda Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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