Por Anderson Borges Costa
Você gosta de música sertaneja-raiz, daquelas que falam da vida no campo, da perda da mulher amada, da morte do filho que ficava na porteira olhando as vacas? E rap, daqueles que falam da violência e da opressão vivida por quem mora nas favelas das periferias em grandes cidades, você curte? Parece que um estilo não combina com o outro, mas o diretor Guel Arraes faz mais ou menos uma mistura dos dois no recém-lançado filme Grande Sertão, baseado no clássico do escritor Guimarães Rosa.
No livro Grande sertão: veredas, o ex-jagunço Riobaldo narra fatos de sua juventude vivida no meio de um bando de cangaceiros. Em seu relato, descreve a relação que desenvolve com outro cangaceiro, Diadorim. Por ele, Riobaldo cria, no sertão, uma grande conexão, que é uma mistura conflituosa entre amizade e afeto erótico. No meio de homens jagunços, Riobaldo sofre com o conflito, mas se deslumbra com o que sente por outro homem em meio às batalhas do cangaço.
Riobaldo é parte de um bando que tenta derrotar o grupo de cangaceiros inimigos, liderado pelo vilão Hermógenes, que assassinou o chefe de seu grupo, Joca Ramiro. Para derrotar Hermógenes (e, com isso, também agradar a Diadorim), Riobaldo parece que faz um pacto com o diabo, a quem se vende para ganhar poder. Mas não fica claro se Riobaldo realmente faz o pacto com o diabo ou não. Ali, no sertão, como escreve Guimarães Rosa, “Tudo é e não é”.
Na adaptação para o cinema feita agora por Guel Arraes deste livro maravilhoso, que merece muito ser lido, o sertão de Guimarães Rosa é deslocado para a periferia de uma cidade grande, onde, em uma favela, Riobaldo é professor em escola pública. Lá, ele entra em contato com traficantes de droga que são perseguidos pela polícia. Ali, na periferia urbana, combatendo em sua gangue, Riobaldo conhece Diadorim, que também é parte do grupo. A história no filme é a mesma, mas o sertão vira cidade. Os conflitos que Riobaldo tem no livro, no sertão, estão presentes também no filme, embora este se passe na cidade grande. A trilha sonora, os movimentos da câmera, os diálogos: na tela do cinema, tudo é rápido e urbano. O filme de Guel Arraes agita a calmaria do livro de Rosa. Esta adaptação é imperdível!
E você, acha que o sertão pode viver na cidade? De acordo com Riobaldo, sim; afinal, como ele diz no livro: “O sertão é do tamanho do mundo”.
Segure-se no sofá, pois cinema também é movimento.
Grande Sertão (Brasil, 2024)
Direção: Guel Arraes
Elenco: Caio Blat, Luisa Arraes e Rodrigo Lombardi
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Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Professoras, Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.