Por Gustavo de Oliveira
Um dos aspectos mais interessantes da arte é a possibilidade de ela se renovar em novas estéticas e formatos. O que por muito tempo se mantém estático consegue ganhar uma nova roupagem com a iniciativa de inventivos artistas. Isso é o que a cantora espanhola Rosalía vem fazendo com a música flamenca, tradicional em seu país e cultura.
O flamenco é uma expressão que atravessa a música, o canto e a dança e tem sua origem na cultura cigana, árabe e judaica. Sua história remonta aos séculos IX e XIV, quando os povos ciganos da Índia migraram para a região da Andaluzia, na Espanha. Por lá, encontraram os judeus e árabes que viviam na península Ibérica.
Suas trocas culturais resultaram na formação dos primeiros passos do formato que conhecemos hoje. Como se originou de culturas marginalizadas pela Igreja Católica, pouco se tem de documentação histórica do flamenco. Porém, seu canto contribuiu para a cultura de oralidade do povo da época.
No início, o flamenco consistia em um canto que não era acompanhado de instrumentos. Com o passar dos anos foram adicionados elementos como violão, palmas, sapateado, dança, cajón e castanholas. Essas mudanças atravessaram épocas e foram aglutinadas ao cânone do estilo em diferentes séculos.
Com a noção de que o flamenco traz, desde sua origem, a mudança e o sentimento agregador, chegamos à história de Rosalía. Cantora, produtora e compositora nascida na Catalunha, vem dando uma roupagem e lugar ao flamenco na música pop mundial. O que é uma tarefa bastante complexa, dadas as variações de melodia e harmonia do ritmo, que é bastante diferente do que vemos na música ocidental.
A cantora não veio de uma família de tradição flamenca, por isso precisou dedicar muito tempo para aprender e se encontrar no gênero. Depois de aprender melismas (técnica vocal que leva a mesma sílaba a diferentes notas) com José Miguel Vizcaya, ela lançou seu primeiro trabalho, Los Ángeles.
Um disco que seguia o tradicional do gênero, mas com uma produção diferente, com toques de folk americano e reggaeton. Essa veia eclética ficou ainda mais forte nos anos seguintes, que vieram com uma pedra fundamental na inserção do flamenco no mundo pop.
Seu segundo álbum, El Mal Querer, foca sua voz, assim como as origens da música flamenca. Porém, os melismas e melodias são construídos em batidas dançantes e técnicas da música moderna, como os samples.
O disco, feito em parceria com o produtor espanhol El Guincho, remonta, em sua produção, à outra época da música. Criado de forma independente, pensado de maneira colaborativa e ligado aos pontos de maneira quase artesanal.
Isso não significa que Rosalía abandone o cerne do flamenco, abrindo mão dos elementos que o caracterizam. A teatralidade e o drama estão presentes, mas junto de recortes de músicas modernas e com elementos contemporâneos e de outros gêneros, como rap, R&B e reggaeton.
Pela sua caminhada e história, Rosalía consegue prestar homenagem às tradições de seu país e apresenta para um público inédito uma cultura totalmente nova. Ela também coloca em prática sua inventividade, demonstrando que a arte está em constante movimento. Com respeito e cuidado, é possível desenvolver produtos artísticos nos mais diferentes contextos e locais.
Confira aqui o clipe da música “Candy”
Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.