Por Anderson Borges Costa
A ficção é um instrumento que nos auxilia a entender a realidade. A realidade no Brasil e no mundo nestes dias tem sido um roteiro de ficção que nos faz questionar se há realmente alguma distância entre os dois planos de ação. Se olharmos para o Brasil e para os Estados Unidos no plano real, veremos que não se distinguem muito do plano ficcional que conduz as tramas nas ótimas Ozark e Breaking Bad.
As duas séries prendem a atenção do espectador desde o primeiro momento. São muitas as semelhanças entre elas: os protagonistas são pessoas comuns — em Breaking Bad, o professor de química Walter White (Bryan Cranston); em Ozark, o planejador de finanças Marty Byrde (Jason Bateman). Ambos casados, com filhos. Amam a família e a ela se dedicam para lhe oferecer uma vida decente. Até que, pensando no bem-estar destas, acabam imersos no mundo do crime.
A vida dita “normal” está, para nós, a uma rua de distância da ilegalidade. Basta darmos um passo em falso para adentrar um caminho praticamente sem volta.
Bateman (em Ozark) e Cranston (em Breaking Bad) conduzem tramas que se transformam em dramas. São dois roteiros muito bem escritos, com atores que desempenham seus papéis com segurança. Mas ambas as séries não deixam de ser também alegorias para a hipocrisia que vem pautando as entidades administrativas dos Estados Unidos (do Brasil).
Walter White, em Breaking Bad, ao ser diagnosticado com câncer no pulmão, com enormes dívidas, um filho com paralisia cerebral e a mulher grávida, decide produzir metanfetamina com um ex-aluno. Marty Byrde, em Ozark, contrai uma dívida com um traficante mexicano ao não obter êxito em um esquema de lavagem de dinheiro. Para pagar a dívida com um esquema milionário de lavagem, leva sua família de Chicago para os Montes Ozark.
Ao deslocar a ação para o interior dos EUA — Breaking Bad se passa no Novo México, Ozark no Missouri —, as duas séries carregam os espectadores para dentro de um país que se mostra ao mundo como magnânimo por suas grandes cidades costeiras, às margens do Atlântico e do Pacífico. Assistir às tramas e às reviravoltas constantes nelas nos ajuda a entender o interior de um país que sustenta a ética por meio da hipocrisia. Esses estados americanos servem como metáfora para o país enxergar suas sujas entranhas. E, por meio de Walter White e de Marty Byrde, é possível que o Brasil consiga entender que a situação em que se encontra hoje também é resultado de uma falsa ética que atropela o Estado. Segure-se no sofá, pois cinema é movimento.
Ozark (2017)
Direção: Andrew Bernstein, Daniel Sackheim, Ellen Kuras e Jason Bateman
Elenco: Jason Bateman (Marty Byrde), Julia Garner (Ruth Langmore) e Laura Linney (Wendy Byrde) | Disponível na Netflix
Breaking Bad (2008)
Direção: Adam Bernstein, Bronwen Hughes, Jim McKay, Tim Hunter, Tricia Brock, Vince Gilligan
Elenco: Bryan Cranston (Walter White), Aaron Paul (Jesse Pinkman) e Anna Gunn (Skyler White)
Disponível na Netflix
Anderson Borges Costa
Formado e pós-graduado em Letras (Português/Inglês/Alemão) pela Universidade de São Paulo. Professor de Português e Literatura na Escola Internacional St. Nicholas. Escritor, autor dos romances Rua Direita e Avenida Paulista, 22, do livro de contos O livro que não escrevi e de peças teatrais.