Por Gustavo de Oliveira

O estranhamento é uma sensação muito comum na vida humana. Quando encontramos algo ou alguém incomum, a falta de compreensão toma conta de nossa mente de maneira quase que imediata. E com a arte não é diferente. Porém, a ficção utiliza esse estranhamento na maioria das vezes para debater e comentar quanto a nossa relação com o outro e com o mundo pode ser singular.

Este é o caso de Little Nightmares, um jogo de terror narrativo que acompanha a história da Six, uma criança que precisa sobreviver em uma espécie de navio onde existem vários monstros e acontecem coisas ruins com os pequenos por lá. Porém, o game vai além dessa roupagem de terror para dialogar com o jogador sobre o valor da infância e das perspectivas que as crianças constroem sobre os adultos que as cercam.

Como é um jogo de terror que tem uma criança como protagonista, a narrativa e as mecânicas determinam algumas limitações para quem joga. Somos extremamente vulneráveis e incapazes de resolver conflitos e superar obstáculos por meio da força, o que faz com que tenhamos interações muito táteis com o mundo à nossa volta — tal qual uma criança que está descobrindo esse ambiente novo e aprendendo algo com tudo que ela toca.

Mas, ao mesmo tempo, não temos espaço, tempo e segurança para explorar e interagir com tudo. Porque precisamos lidar com os adultos que já determinaram qual seria o destino de Six. E nessas interações entre crianças e adultos que o jogo ilustra, a protagonista sempre precisa abrir mão da sua essência se quiser sobreviver, ficando cada vez mais parecida com os monstros de quem ela tenta fugir. Também demonstra que a perda da inocência e todos os processos que envolvem o crescimento podem ser extremamente traumáticos e dolorosos.

Essa demonstração do peso e da vulnerabilidade da infância é muito forte em Little Nightmares, e é estranho perceber quanto uma experiência tão distante da realidade e tão grotesca consegue se aproximar de algo que vemos e vivenciamos todos os dias. Encontrar um jogo que compreenda a posição social das crianças e como elas dependem de um cuidado coletivo para conseguirem viver bem é algo inigualável.

Little Nightmares é assustador, amedrontador e estranho, mas não sai de nossa mente e nos deixa bem pensativos ao percebermos que o diferente e vulnerável sempre precisa do nosso cuidado.


Gustavo de Oliveira
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca e técnico em administração. Redator desde 2018 com experiência em música e jogos.

Foto: Wallpapers
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